Recentemente assisti ao mais novo filme de Martin McDonaugh: Banshees of Inisherin. Admito que saí do cinema um pouco confusa; fiquei extremamente emocionada com o filme, sem entender exatamente o por quê. A história se passa muito antes de eu ter nascido, em um país que eu não realmente conheço, e narra uma situação pela qual - ainda bem - nunca passei. Mesmo assim, tudo parece profundamente pessoal.

Colm e Padraic sao amigos de longa data que vivem em uma ilha remota, na costa da Irlanda (Inisherin literalmente significa ilha da Irlanda). Colm, um talentoso violinista, decide romper sua amizade, considerando Padraic um fardo, a razão pela qual ele ainda não compôs sua obra prima; seu prometido feito artístico, que deixaria sua marca no mundo físico. Padraic não consegue aceitar essa ruptura tão bruta e, a seu ver, banal, e corre atrás de recuperar seu amigo. Um enredo simples, que rapidamente se agrava.

A história se passa nos anos 20, durante o auge da guerra civil irlandesa. Da ilha, os homens podem observar eventuais sinais da guerra, mas estão protegidos e são ignorantes ao que realmente se passa. Isso dito, pode-se claramente entender que o filme é uma alegoria da guerra - e da Irlanda em si, no geral. Inisherin, a ilha aparentemente idílica, vira cada vez mais claustrofóbica à medida que a briga entre os homens se intensifica; em pouco tempo, nenhum dos dois pode ao certo apontar a origem do seu conflito, mas sabem que a paz já não é uma opção.

Entre os vários tópicos discutidos no filme (automutilação, culpa, poder, herança, companhia), um tema em particular me chamou atenção: Colm, o artista sofrido, precisa de um motivo grandioso para viver. Qual é o ponto da vida se ninguém se lembrará de nós em 50 anos? Uma questão justa. Já Padraic, desmerece essa ideia como pretensiosa e nula: ser bondoso e amoroso é motivo o suficiente para se viver. O que acontece com a memória coletiva após esses 50 anos não importa. Um ponto justo, também.

Me vi em um certo dilema, tentando decidir com qual personagem eu concordava, repensando em particular sobre o discurso de Padraic, em que ele recorda seus pais, e o quanto eles eram gentis, e o quanto isso bastava. Um discurso emocionante e real. Rapidamente deixei esse dilema de lado, decidindo que, por mais que ambos personagens façam bons argumentos, nenhum deles consegue de fato viver de acordo com o que dizem. Suas ideias os levam a um caminho de destruição e ódio, e ao final do filme, ambos perdem suas habilidades e características com a qual começam a narrativa. Colm completa sua obra prima, que jamais poderá tocar, e se encontra completamente abandonado, sendo o único culpado pela sua solidão. Viver pela arte não pode ser o suficiente. Já Padraic, termina sem sua importante capacidade de ser um homem gentil, se afogando na sua própria raiva - completamente sozinho, também, por culpa própria. Viver pela bondade não pode ser o suficiente.

Cada um dos personagens coadjuvantes representa uma fração importante da sociedade que os cerca - uma sociedade que estava desmoronando e se reconstruindo. Paeder pode ser visto como o poder abusivo do governo, império e da religião; Dominic, como a juventude perdida dentre os conflitos; Jenny pode ser vista como pureza; e a Sra. McCormick, a banshee, como o destino.

Os Banshees de Inisherin ficarão comigo por um bom tempo, enquanto procuro fazer sentido de tudo isso, mas por mais estranho que pareça, o filme me deixou com uma sensação geral de calma e esperança, e a conclusão que dentre tanto caos e confusão, talvez equilíbrio seja de fato o suficiente.