— Na tua idade já tinha casa própria, casado, com filhos e efetivo! — afirma o avô do João. Mas no tempo do avô do João, os tempos eram outros. Ainda não se ouvia falar em euros, apenas em contos.

Os casais juntavam-se cedo, uns por amor, outros por obrigações familiares e a vida compunha-se assim. No interior ainda havia, com frequência a prática de pastar ovelhas e cabras. A vida era dura, mas era dura de outra forma. Era estável, consistente, da terra tiravam o necessário, dos animais o restante. As mulheres encarregavam-se das limpezas de gente fina, por casa tratavam das lidas domésticas e dos filhos. Nas cidades, o homem, na sua maioria era operário fabril, como o caso do avô do João. Acordava cedo, fazia longas distâncias, juntava para um carro, dizia ele. Trabalhava arduamente, picava o ponto e danificava a saúde, não existiam sindicatos como hoje, as condições de segurança eram míseras. Ganhava o seu tostão e levava-o para casa. E lá continuava a mulher nas lidas de gente fina. Gente pouco instruída, mas sempre muito trabalhadora.

Mas os tempos mudaram, assim como as profissões, a liberdade e direitos também se alteravam, a mulher agora tem mais direitos, pode votar, mostrar opinião, decidir não casar e fazer vida adulta sozinha. Mas nem tudo de bom pode acontecer ao mesmo tempo. O stress e ansiedade agora são assíduos, e as horas de sono mais complicadas. Mas apesar de tudo, os anos 20’s continuam a ser sinónimo de sair de casa, de recriar uma vida que por exemplo o João sonha ter, ambições, sonhos e esperanças. De crescer e cair, levantar e esperar não cair de novo, mas se acontecer, os joelhos serão fortes o suficiente para o erguer. E o João segue tentando o seu sonho dos anos 20.

Agora a oferta de emprego é melhor, com boas condições, mas escassa. O João procura trabalho para o que estudou, quando para o lugar dele estão mais 100 bons qualificados, poliglotas e disponíveis para por mãos à obra. Procura qualidade de vida, mas a vida consome- se por si, por finanças e responsabilidades.

Nos tempos do avô, havia emprego para todos. Desemprego era coisa de gente preguiçosa. Agora é coisa de gente qualificada. Os ordenados foram se alterando, mas o custo de vida não permite o sustento de forma equilibrada. Liberdade financeira é algo que se perde quando se sai, mas liberdade de vida é outra coisa que se ganha ao sair. Os que saem, saem em conjunto, casais jovens e com vontade de viver a vida, juntam trapos e juntam ordenados, pagam renda, alimentação… e trabalham para viver.

Os planos são adiados, as viagens apenas sonhadas. O trabalho já não é garantido e efetividade não é significado de estabilidade. As ambições estão lá, assim com as tentativas.

— Só tirei a quarta classe, que equivale ao teu décimo segundo agora. — Afirma orgulhosamente o avô do João, — e após isso, fui logo trabalhar para a fábrica têxtil.

Na época estudar nem era obrigatório, saber ler e escrever era para quem podia, porque nem todos tiveram o luxo de frequentar uma escola primária, conhecer de cor os rios e capitais de distrito, assim como, as principais linhas do comboio.

— Hoje têm a internet que praticamente vos ensina tudo, na altura só tínhamos a professora da escola primária que impunha respeito e muitas reguadas nas mãos! — Aponta para as suas mãos rugosas e calejadas, lembrando até com saudade desse período.
— Agora, não temos tudo de mão beijada, mas temos o triplo da competição e pressão para conseguir. — Tentou explicar o João, — Temos ambições e sonhos que não se podem concretizar sem muito trabalho árduo. — Neste momento, o João procura uma casa que equivale ao seu ordenado, antigamente era mais fácil, as casas não tinham as mesmas condições, é um facto, mas lá se puxava todos os dias um centímetro o poste da vedação para o lado e lá se iam garantindo algumas propriedades, que hoje tornam muita gente alguém.

— A vida era boa no campo, era boa no antigamente. — Garante o avô do João, enquanto os troncos de carvalho ardiam suavemente na lareira. — Acordava cedo e cedo me deitava. Não existiam distrações como a TV e por vezes, — conta em segredo, — dormíamos ao relento a contar as estrelas.