Foi preciso quase 2 meses dentro da primavera para que os primeiros dias de sol chegassem à Florença. Antes disso, os dias haviam sido nublados, enevoados e com ventos gelados que cortam até a alma. As flores não floresceram direito, as árvores continuavam a aparecer mortas e as janelas permaneciam cerradas. Foi um mês de resfriados, capas de chuva e suéteres.

Mas o sol apareceu no início de maio, no feriado, e as flores nasceram e as árvores ficaram verdes. Agora andar em Florença é estar dentro do quadro A Primavera de Botticelli. Todos os parques se encheram de cor, o Jardim De Boboli se parece com o filme O jardim secreto, cercado de flores, fontes, estátuas, e pessoas fazendo piqueniques sob suas árvores.

Neste inicio de primavera é o que mais se pode notar: pessoas tirando tempo em suas viagens para descansar, viver em primeira mão o dolce far niente que aqui é tão usado. O ditado que os italianos seguem, sobre o quanto é doce não fazer nada, apenas aproveitar o momento.

Me lembrei que no Brasil sofri com burnout (síndrome de esgotamento mental devido a trabalho e/ou estudo em excesso) por muito tempo, trabalhei sem parar por meses e quando conseguia um tempo em que não precisava fazer nada, me considerava sem valor, ou preguiçosa, que estar sem fazer nada era igual a ser nada. Foi preciso anos de terapia e uma viagem para que eu começasse a me permitir a ter momentos de calma, momentos de nada.

O primeiro dia que experimentei dolce far niente foi no último domingo de abril, quando me sentei nos degraus da Basílica de San Lorenzo e li sobre a construção da obra durante horas a fio. Observei as pessoas fazendo a mesma coisa, sentando-se, comendo sanduíches, apreciando a paisagem ou tomando gelato. É uma espécie de tranquilidade preciosa que te cerca nestes momentos, que te faz lembrar que você ainda está vivo, e ainda é jovem.

Foi a primeira vez que senti isso, mas não a última. Estar na Itália e descobrir harmonia em sua vida todos os dias. Passei um dia inteiro na Biblioteca Oblate, lendo, estudando e tomando café, people watching e aproveitando o tempo.

Depois o dia mais quente do ano chegou, o céu azul límpido, a luz do sol esquentando as ruas e os passarinhos cantando em meio às árvores. O quarto da minha colega de apartamento possui o maior sacada do apartamento, que encara os outros prédios do quarteirão, todos compartilhando o mesmo pátio embaixo. Nesse dia decidimos colocar biquínis, e ficamos horas simplesmente lendo livros no sol da Toscana.

E não fomos as únicas, por todo o complexo de prédios ao nosso redor as pessoas fizeram a mesma coisa. Pessoas se bronzeando em terraços italianos, roupas secando ao som, uma música lenta saindo de um apartamento mais abaixo pois todas as janelas estavam abertas. Foi como estar em um filme sobre o dia perfeito, quase com música de background tocando.

Logo depois os dias melhoraram ainda mais, com temperaturas amenas e sair ficou cada vez melhor. No primeiro domingo de todos os meses, os museus da cidade ficam gratuitos e minhas amigas e eu aproveitamos bastante desta regra. Visitei a Galleria Uffizi, andei 4 andares lentamente, conhecendo cada uma das obras.

A Galleria Uffizi é o lar de grandes pinturas como o Nascimento de Vênus, Primavera e várias pinturas de Da Vinci. Almoçamos no terraço da Galeria, observando o céu azul celeste adornando os principais prédios da cidade, e passamos a tarde no Gran Palazzo Pitti. Este tem quase 5 andares de obras, o suficiente para se perder por ali durante horas.

Depois de visitar o Palazzo a melhor coisa a se fazer, a coisa mais deliciosa, é um piquenique no Jardim de Boboli. Ali, todos estão aproveitando do mesmo sentimento, aproveitando o dia de primavera sem pressa, sem preocupações. Jogam bola, se deitam no prado, conversam,brincam, aproveitam.

Dolce far niente é um sentimento que todos podem experimentar em qualquer lugar, a qualquer hora. Mas existe alguma coisa em Florença, na Itália toda, que faz com que o sentimento seja mais fácil de alcançar, mais real. É algo lindo, e frágil, e eu espero que todos possam alcançar seu dolce far niente em sua vida.