A temática deste artigo apresenta fatores múltiplos de complexidade uma vez que existem diversos grupos terroristas de vertente islâmica, várias áreas de atuação a nível global e ainda uma linha temporal alargada.

Decidi então dividir o artigo em duas partes para que você, caro leitor, tenha uma perceção mais clara deste tema tão complexo. Desta forma, num primeiro artigo, decidi dedicar especial atenção à caracterização do terrorismo transnacional e à sua vertente islâmica, sendo que também vou abordar um período histórico que considero bastante relevante, a Revolução Iraniana, com a ascensão de Khomeini a Líder Supremo do Irão.

Num segundo artigo, irei procurar analisar de forma concisa um período fundamental no que respeita a terrorismo transnacional islâmico no século XXI, os atentados terroristas verificados a 11 de Setembro de 2001. Tentarei também chegar a uma conclusão sobre este tema tão relevante para o mundo da ciência política e das relações internacionais, para que você, possa concordar com a minha abordagem, discordar ou procurar outras informações e fontes de conhecimento.

Posso começar por transmitir-lhe que o termo terrorismo abarca em si uma multiplicidade de abordagens não existindo consenso, quer a nível nacional como internacional, para a sua definição. No entanto, de acordo com as orientações da NATO indicadas no MC 472, podemos classificar o terrorismo como “a utilização ilegal da força ou da violência planeada contra pessoas ou património, na tentativa de compelir ou atemorizar governos ou sociedades por forma a atingir objetivos políticos, religiosos ou ideológicos”. Podemos também classificar o terrorismo como uma prática realizada por diferentes quadrantes das sociedades englobando, desta forma, estruturas políticas de esquerda e de direita, movimentos nacionalistas e religiosos, e ainda instituições estatais, tais como as Forças Armadas. Devemos também reter a necessidade que os grupos terroristas têm em atrair o máximo de atenção por parte da comunicação social por forma a criar a tal cultura de medo, baseando-se em ataques indiscriminados ou seletivos, e tendo como alvo primário as populações inocentes.

O terrorismo transnacional, segundo Vasco Rato, “pode ter um impacto altamente desestabilizador ao nível da segurança regional e mesmo global”, passando a ser observado a uma escala mais global após os ataques registados no 11 de Setembro de 2001. Esta alteração de paradigma acabou por modificar a forma como os Estados observam e combatem o terrorismo, uma vez que ele acabou por assumir características díspares no século XXI.

À predominância de atos de terror praticados por entidades anticolonialistas, nacionalistas e separatistas, com destaque para o IRA e para a ETA, sucederam-se os ataques de matriz religiosa, onde podemos destacar o papel da Al-Qaeda. Na questão do terrorismo transnacional é importante mencionar o papel que alguns Estados tiveram ao fornecer apoio, abrigo e financiamento a determinados grupos que têm como objetivo a implosão do denominado ‘mundo livre’. De acordo com a obra "Terrorismo", coordenada por Adriano Moreira, as formas de apoio financeiro que o terrorismo transnacional obtém são de proveniência diversa. Desde assaltos a bancos, passando por contrabando de armas, tráfico de drogas, raptos ou empresas de fachada, entre outras.

Os tipos e vagas de terrorismo transnacional têm-se modificado ao longo das décadas. Tendo em consideração o que se tem vindo a verificar após o período da Segunda Guerra Mundial, podemos constatar que, aos movimentos de guerrilha perpetrados no âmbito das independências, sucederam formas claramente reconhecidas de terrorismo, sejam elas numa vertente político-ideológica, esquerdista ou religiosa, com destaque evidente para as ações perpetradas por grupos fundamentalistas islâmicos.

É importante que o leitor tenha a noção que um dos pontos importantes neste tipo de terrorismo é o apoio que historicamente estes grupos transnacionais acabam por ter de alguns Estados. Quando falo de apoio este não se restringe somente à vertente económica, através do fornecimento de armas e financiamentos diversos, mas também provendo abrigo a muitos dos grupos terroristas impactantes neste mundo global. Os apoios já existiam antes da queda do bloco soviético e, mesmo atualmente com maiores pressões e sanções por parte da comunidade internacional, verificadas essencialmente após os acontecimentos do 11 de Setembro, essas formas de auxílio continuam a ser uma realidade, com nações como o Afeganistão e o Paquistão em destaque.

A ascensão desta ameaça internacional, num mundo que no século XXI se identifica plenamente com o termo ‘global’, gera as mais diversas preocupações ao nível da segurança internacional por parte dos Estados que pretendem manter o status-quo.

Se o leitor pretender ler, ou reler, o artigo "Ideologies of Violence: The Social Origins of Islamist and Leftist Transnational Terrorism", pode verificar que os autores identificam o terrorismo transnacional por “ondas”, ou por ações díspares no tempo e no tipo de grupos/objetivos. Também verificamos que, ao contrário do que sucedeu com o terrorismo de esquerda, também designado por Marxista-Leninista, a “4ª onda” de terrorismo transnacional, assente em ideologias islâmicas, procura a existência de uma maior aproximação entre as diferentes classes sociais, caraterizando-se por ser mais letal e organizada num contexto geopoliticamente díspar daquele que subsistiu entre o período 1945-1991, com o término da bipolaridade existente e o início uma nova ordem mundial.

Crucial é percebermos quais os acontecimentos históricos mais marcantes e que deram origem ao desenvolvimento desta política de terror levada a cabo por extremistas islâmicos. Podemos identificar duas tradições distintas na sociedade muçulmana: xiitas e sunitas, com estes últimos a defenderem a não hereditariedade da liderança do islamismo e com presença massiva em grandes Estados muçulmanos como a Indonésia, Paquistão e Iraque. Já os xiitas colocam, como forças de sustentação, o papel do Imã e o sacrifício dos seus líderes, assim como a importância da figura dos Ayatollahs como líderes e guias máximos da população.

No meu entender devemos notar a importância histórica do ano de 1979 e da década de 80 do século XX. É neste período que podemos não somente presenciar a mudança de século no calendário islâmico, como também a Revolução Iraniana, com a entrada num novo regime de estilo teocrático em oposição à monarquia autocrática pró-ocidente preconizada por Pahlavi, e ainda a invasão, e subsequente guerra, do Afeganistão por parte de tropas soviéticas. Desta forma podemos extrapolar que este período foi um marco histórico, no sentido em que os conflitos deixam de ter uma vertente ideológica tão vincada passando a assumir uma perspetiva mais cultural, um choque civilizacional, tal como demonstra Huntington em O Choque das Civilizações e a Mudança na Ordem Mundial.

Leonardo Boff chama-nos a atenção para o facto de que a partir desta fase surge também uma composição teórica mais visível e vincada do islamismo, o denominado neofundamentalismo islâmico. A demanda económica levada a cabo pelas potências ocidentais, na procura de obter o máximo proveito das reservas petrolíferas naquela zona do globo, criou divisões de ordem religiosa e cultural incontornáveis. Desta forma devemos sublinhar o sentido da Sharia, na sua forma detalhada de leis e valores, assim como a islamização da sociedade e das suas práticas, como forma dos Estados islâmicos se libertarem do jugo ocidental e das suas imposições religiosas e culturais.

De acordo com as obras e artigos que fui analisando para escrever sobre este tema, parece-me que o terrorismo de matriz islâmica se tende a criar e desenvolver através de uma complexidade de crenças e valores entre duas realidades distintas: a do fanático religioso e do terrorista, por um lado, e a visão de uma sociedade herética e com interesses meramente económicos, pelo outro. Um choque civilizacional que não se perspetiva acabar num futuro próximo e que domina as sociedade atuais.

Por esta fase do artigo já me está a questionar sobre quando abordaremos a Revolução Islâmica! Pois bem.

Feita esta passagem pelas bases do terrorismo, nomeadamente do terrorismo transnacional islâmico, chegou a altura de nos focarmos em 1979. Este ano trouxe dois acontecimentos de extrema importância para a análise dos movimentos terroristas de matriz islâmica. O primeiro deu-se no início do ano e culminou na deposição do Xá Mohammad Pahlavi. À queda do regime monárquico iraniano sucedeu um novo governo teocrático, autoritário e violento, transformando totalmente um país outrora de crescimento económico e de modernização secularizada. A outra ocorrência a referir sucedeu no final do mês de Dezembro, altura em que as primeiras tropas soviéticas entraram no Afeganistão e cujo conflito durou uma década, servindo para agudizar ainda mais as tensões existentes entre os blocos soviético e norte-americano. De notar também o envolvimento de diversos grupos nesta guerra, treinados e financiados pelos EUA e pelos seus aliados, dos quais alguns elementos dariam origem à organização fundamentalista islâmica mais notória no mundo ocidental, a Al-Qaeda.

Para compreendermos o que originou a Revolução Iraniana e todo o seu enquadramento, é necessária uma análise sintética aos fatores que conduziram a esse acontecimento. Em 1925, através de um golpe militar, Reza Pahlavi, fundador da dinastia Pahlavi, torna-se Xá da Pérsia. Desde logo o novo regime reprimiu o culto religioso e diversos separatismos, estimulando o culto da personalidade, como qualquer regime autocrático, e governando de forma autoritária, não cedendo a pressões estrangeiras, mas procurando uma aproximação e modernização nos moldes ocidentais, à semelhança do regime de Atatürk na Turquia.

No decorrer da Segunda Guerra Mundial, o país que até então se mantivera neutral, é invadido por forças beligerantes inglesas e soviéticas, algo que acabou por conduzir Reza Pahlavi a abdicar em detrimento do filho. A nomeação de Mohammad Mossadegh, líder do grupo parlamentar nacionalista, para o cargo de primeiro-ministro, em parte devido à sua enorme popularidade, trouxe mudanças no que respeita à exploração das riquezas petrolíferas do país, desde logo a nacionalização das companhias petrolíferas.

A relação entre o primeiro-ministro eleito e Mohammad Pahlavi começou a deteriorar-se e acabou por conduzir, em 1953, após sucessivos tumultos, ao abandono do país por parte do Xá. Meses mais tarde tem início um golpe de Estado orquestrado e perpetrado pelos serviços de inteligência norte-americanos (CIA), com o propósito de derrubar Mossadegh e restaurar a liderança de Pahlavi. A denominada ‘Operação Ajax’ sofre um primeiro revés mas acaba por conduzir à detenção do primeiro-ministro iraniano, restaurando o poder na figura do Xá que retorna do seu exílio em Roma.

A partir desse período, o reinado de Mohammad Pahlavi ganha contornos de ditadura monárquica, com um parlamento sem reais poderes governativos e com a benevolência das potências ocidentais, que viam a sua influência, nomeadamente no que diz respeito à exploração petrolífera, voltar a ser preponderante nesta área do Médio Oriente. A monarquia a que presidia Pahlavi, apoiada fortemente pelos EUA, pela eventualidade de um perigo soviético, escondia um regime opressor e violento, onde o uso da força era interpretado como um fenómeno legítimo para a estabilidade e proteção da ordem predefinida, e onde é de notar o papel da polícia política iraniana, a Savak, criada em 1956 com o apoio da CIA e da Mossad.

Em 1963, Pahlavi introduziu uma série de reformas na sociedade iraniana, medidas essas que ficaram conhecidas por Revolução Branca. As reformas agrárias introduzidas, que prejudicavam os grandes latifundiários e os clérigos xiitas, assim como o constante envolvimento das potências imperialistas nas políticas económicas e nas cúpulas de decisão do Irão, além das medidas que emancipavam o papel da mulher, acabaram por aumentar o sentimento de revolta da população em relação às potências ocidentais.

Estes fatores, aliados ao uso cada vez mais notório da violência e da repressão política, às falhas introduzidas aquando das reformas agrárias e à inexistência de medidas democráticas, acabaram por dar origem à Revolução Iraniana de 1979. Esta, por sua vez, conduziu ao afastamento definitivo de Mohammad Pahlavi e teve como figura central o líder espiritual e político xiita Ruhollah Khomeini, que estabeleceu a República Islâmica do Irão, a qual ainda vigora atualmente. Apesar da corrente minoritária islâmica xiita que se verifica no país, a revolução que ultimou Alá como sendo a salvação conseguiu a sua credibilidade.