A abordagem do desafio da escassez de professores e da atratividade da carreira docente permanece um assunto de profunda relevância e intrincada complexidade. Em outras reflexões sobre o tema, busquei iluminar algumas facetas deste tópico vasto e multifacetado à partir de uma outra perspectiva menos convencional, consciente de que questões de base não estavam sendo discutidas naquele momento, mas que são emergentes e essenciais que sejam evidenciadas.

Em um diálogo estimulante com a minha colega Silmara Ferreira da Silva, Coordenadora Pedagógica da Educação Infantil da Maple Bear Maceió e uma estudiosa no tema, trouxe à tona insights valiosos. Estes apontamentos não só ampliaram minha compreensão sobre a educação, mas também sobre como, juntos, podemos aprimorar a vida e a carreira dos nossos estimados educadores.

O processo de troca de ideias, enraizado na colaboração e no diálogo, é uma fonte de orgulho pessoal e profissional para mim. Ele reforça meu compromisso de não apenas compartilhar reflexões, mas também de fomentar uma elevação de consciência e ações transformadoras. Através dessas conversas, nós, como comunidade, estamos não apenas explorando problemas, mas também moldando ativamente soluções e caminhos futuros. É nesse intercâmbio de ideias, nesse espírito de parceria e aprendizado mútuo, que reside o verdadeiro potencial para a transformação.

Motivado por esse diálogo enriquecedor, convidei Silmara a colaborar mais estreitamente, aproveitando sua vasta experiência prática e acadêmica. A experiência de Silmara dentro de sala de aula e complementada em posições de liderança educacional traz uma luz renovadora e profunda ao nosso debate. Seu olhar, moldado por experiências reais e desafios enfrentados, oferece insights indispensáveis e impulsiona nosso pensamento para além dos horizontes convencionais.

Diante dos alarmantes dados de uma possível falta de professores no futuro próximo, devido a já perceptível falta de interesse pelas licenciaturas, levanta-se, novamente, o interminável tema da valorização da educação – ou, mais precisamente, sua desvalorização. Nesse contexto, há de se perguntar por quais razões cada vez menos pessoas almejam trabalhar com o ensino. Não existe uma resposta simples, pois são variados os motivos que levam as pessoas a não considerarem trabalhar na área ou mesmo abandoná-la após algum tempo de exercício. O texto a seguir tem como objetivo mapear e destacar determinados aspectos que envolvem a profissão e que causam insatisfação na grande maioria da classe docente, sendo eles, em sua maioria problemas da estruturação da educação em si, com o intuito de entendermos melhor o panorama que justifique o desinteresse em relação à docência.

O desafio da superlotação nas salas de aula é uma questão crítica que precisa ser abordada com seriedade. Frequentemente, professores em escolas públicas e privadas enfrentam turmas com 50 a 60 alunos, ultrapassando a recomendação ideal de 35. Este cenário exige dos educadores a habilidade de não apenas transmitir conteúdo, mas também de empregar metodologias dinâmicas capazes de engajar adolescentes imersos em um mundo de estímulos digitais constantes e consumo excessivo de entretenimento. Além disso, espera-se que os professores ofereçam atenção individualizada em condições em que muitas vezes gerenciam 20 ou mais turmas, somando uma carga horária que supera 40 horas semanais.

Atribuir o sucesso ou fracasso do aprendizado apenas à metodologia ou à capacitação do professor é uma simplificação inadequada. Ensinar é uma tarefa complexa, e fazer isso em turmas superlotadas é ainda mais desafiador. Não lidamos com alunos ideais, mas com indivíduos reais, variando de altamente interessados a completamente desinteressados, por motivos que muitas vezes estão fora do controle do professor.

Em segundo lugar, é essencial abordar as discrepâncias entre as imposições curriculares e a formação docente no Brasil. Professores são qualificados em áreas específicas, e habilitações em múltiplas disciplinas exigem licenciaturas adicionais. Contudo, reformas como o Novo Ensino Médio introduziram disciplinas para as quais muitos professores não têm conhecimento suficiente. Por exemplo, um licenciado em português não está automaticamente habilitado para ensinar sobre cinema e mídias digitais, nem um de Matemática para empreendedorismo. Esta situação obriga professores a dedicarem tempo extra na preparação de aulas em áreas fora de sua expertise, aumentando a carga de trabalho sem compensação financeira correspondente.

O terceiro ponto relaciona-se com a formação docente. Há uma desconexão entre os currículos universitários e as exigências das escolas de nível básico, refletindo uma falta de sincronia entre os planos governamentais para a educação básica e a formação de futuros professores. As condições variam entre instituições de ensino superior. Enquanto algumas universidades públicas possuem docentes qualificados e razoavelmente bem remunerados, outras instituições, vistas como "fábricas de diplomas", oferecem uma educação de qualidade questionável. Dessa forma, graduados de instituições tanto públicas quanto privadas frequentemente enfrentam lacunas em suas formações.

Em quarto lugar, encontramos outro problema de base: a estrutura escolar por vezes é inadequada. Banheiros sem água, cadeiras quebradas, quadros manchados, salas quentes, ambientes claustrofóbicos, falta de quadra de esportes, são apenas algumas imagens de um problema que para certos brasileiros pode ser apenas um imaginário, mas para muitos faz parte do dia a dia.

Em quinto lugar, a excessiva carga horária. Muitos educadores enfrentam jornadas de trabalho extenuantes com 50 e até 60 horas de trabalho semanais, que incluem não apenas o tempo em sala, mas também a preparação de aulas, correção de provas, reuniões e diversas outras demandas administrativas. Esse cenário gera uma série de consequências negativas como o alto índice de estresse e burnout entre os professores. Consequentemente, a saúde mental desses profissionais é prejudicada, o que pode levar a um aumento nas licenças médicas e na rotatividade da categoria, prejudicando, também, a logística de organização da escola e, em última instância, o acesso dos alunos às aulas em si. O motivo para cargas horárias tão excessivas é justamente o sexto e último ponto, isto é, a histórica baixa remuneração da profissão docente no Brasil.

Em sexto lugar, qualquer discussão sobre a valorização do professor que não considere o histórico de má remuneração da categoria perde de vista um aspecto vital que de variadas formas se relaciona com todos os outros pontos aqui elencados. O piso nacional dos professores da educação básica foi criado pela Lei nº 11.738/2008 com o valor de 950,00 reais. Já em 2023, o piso da categoria para 40 horas ficou em R$ 4.420,55. Apesar do valor ser mais do que o triplo do salário mínimo, há de se pontuar que esse valor está longe de permitir uma vida confortável no padrão da classe média brasileira. Como resultado, não raramente, professores buscam cargas horárias além de 40 horas semanais, às vezes dando aula nos três turnos e até mesmo nos sábados, para conseguir uma renda mais razoável. Com jornada de trabalho tão intensa, somado com a especificidade da profissão docente e as cargas por ela imposta, é que não apenas encontramos o atual quadro de falta de interesse de jovens em seguir a carreira na educação, como ainda observamos que muitos professores desistem da sala de aula para assumir outras funções na educação, ou ainda, tristemente, simplesmente abandonam a área completamente migrando para outras profissões. Portanto, nenhuma medida que não considere tanto o aumento salarial como a redução da carga de trabalho dos docentes será capaz de reverter o crescente desinteresse dos jovens em ingressar no magistério.

James Fulcher, professor de sociologia da Universidade de Leicester, UK, escreve que todas as atividades humanas são impulsionadas pela geração de lucro, independentemente de sua natureza. Diante dessa constatação, lembramos de tantos professores e professoras em protestos que levantam cartazes que apontam para o fato de que a educação não é, ou não deveria ser, uma mercadoria. Infelizmente, quando percebemos como a educação vem sendo estruturada no Brasil, com salas superlotadas em escolas com estrutura inadequada e professores mal remunerados e esgotados, podemos concluir que a nossa educação vem seguindo sim a lógica mais básica do Capital, isto é, em quem tem mais recursos tem acesso a oportunidades muitíssimo superiores àqueles que fazem parte das camadas menos privilegiadas da sociedade.

A educação, na sua forma atual, dificilmente será libertadora para a maioria, somente com exceções que confirmam a regra. É inaceitável que apenas escolas elitizadas ofereçam ensino de qualidade, fundamental para a saúde mental de professores e alunos. As reformas educacionais atuais são insuficientes, falhando em abordar as estruturas de poder da sociedade. Para iniciarmos um processo de mudança de perspectiva em nossos prováveis futuros professores, deve-se levar em consideração a educação em ambas as camadas: público e privada. Somente um projeto comprometido com a redução da desigualdade trará medidas significativas, como a construção de escolas suficientes para evitar superlotação, manutenção adequada dessas estruturas, reformulação dos cursos de formação docente e salários que respeitem o custo de vida necessário, permitindo uma carga horária saudável física e psicologicamente para os professores.

Após essa completa análise crítica da Silmara, permitam-me encerrar esta discussão destacando a importância de abordar as complexas questões da humanidade com uma mente aberta e uma postura de aprendizado contínua. É fundamental que continuemos a expandir nossas perspectivas, reconhecendo que as soluções mais eficazes e inovadoras emergem da colaboração e do diálogo coletivo.

Edgard Morin1, em seu livro Os setes saberes necessários à educação do futuro destaca:

O conhecimento pertinente deve enfrentar a complexidade. Complexus significa o que foi tecido junto; de fato, há complexidade quando elementos diferentes são inseparáveis constitutivos do todo (como o econômico, o político, o sociológico, o psicológico, o afetivo, o mitológico), e há um tecido interdependente, interativo e inter-retroativo entre o objeto de conhecimento e seu contexto, as partes e o todo, o todo e as partes, as partes entre si. Por isso, a complexidade é a união entre a unidade e a multiplicidade. Os desenvolvimentos próprios à nossa era planetária confrontam-nos cada vez mais e de maneira cada vez mais inelutável com os desafios da complexidade. Em consequência, a educação deve promover a “inteligência geral” apta a referir-se ao complexo, ao contexto, de modo multidimensional e dentro da concepção global.

Acredito que podemos navegar sob a luz das lições de Morin. Continuemos a trilhar este caminho, unidos e explorando todo o nosso potencial coletivo. Acredito firmemente na capacidade da humanidade de encontrar soluções criativas e eficazes para os desafios mais complexos que enfrentamos hoje, desde que juntos, pois somente assim teremos a força e a sabedoria para moldar um futuro mais promissor e consciente.

(co-escrito com Silmara Ferreira da Silva)

Notas

1 Morin, Edgar; UNESCO. Os setes saberes necessários à educação do futuro (p. 39). Cortez Editora. Edição do Kindle.