Ultimamente tem se visto algumas notícias sobre Lionel Messi e seus desentendimentos com os diretores do clube que joga, o Paris Saint Germain. Notícias estas que apesar de terem um fundo um pouco sensacionalista em algumas manchetes mundo afora, a situação é mais complicada e requer um entendimento maior de como os bastidores do futebol estão funcionando nesta última década e como isso impacta em algumas situações mais políticas.

As notícias giram em torno de três autores, Lionel Messi, o governo da Arábia Saudita e dirigentes do PSG. A problemática se inicia quando Messi viaja para Riad, capital da Arábia Saudita, sem a permissão do clube, o PSG, um dia após o clube perder para o Lorient no campeonato francês. O atleta tinha compromissos no país por atuar como embaixador do turismo na Arábia Saudita desde 2022. A viagem repercutiu mal nos bastidores do clube causando uma série de protestos por parte da torcida do clube e uma certa incerteza entre o jogador e sua permanência no clube.

Com esta notícia, vamos iniciar o debate que já está sendo bastante explorado em várias esferas, a compra de clubes nacionais por estrangeiros e seus devidos impactos no esporte e nas políticas. É importante destacar que essa prática de compra e venda de clubes por estrangeiros se iniciou no começo da década de 2000, porém essa prática já ocorria desde os anos finais da década de 1980 com jogadores e treinadores.

A expansão econômica projetada por toda essa transformação causada pela mercantilização de jogadores, técnicos, dirigentes etc., gerou uma enorme modificação no futebol que se tornou cada vez mais midiatizado e mais rico em todos os sentidos. Os clubes queriam as melhores posições nos campeonatos, mais títulos, mais dinheiro, mais reconhecimento, consequentemente queriam os melhores jogadores, treinadores, equipamentos, estádios etc. para enriquecerem sua história e seus cofres.

Toda essa mudança resultou no que temos visto atualmente, principalmente no futebol europeu onde se concentra a maior parte do dinheiro, e é reduto dos melhores jogadores atualmente e da história. Ao longo desses anos as séries de transformações e aplicações econômicas, muitos clubes de futebol se tornaram grandes empresas, clubes vendidos para magnatas estrangeiros em pouco tempo já estavam no topo do país ou até mesmo da Europa.

O ano que essa prática teve início foi 2003, se não fosse pelo magnata russo do ramo petrolífero Roman Abramovich que comprou o Chelsea Football Club ou por outro magnata ucraniano Rinat Akhmetov que comprou o clube também ucraniano Shakhtar Donetsk, talvez a história da hiper-capitalização do futebol tivesse outros rumos. Falando em Roman Abramovich que foi o precursor desta prática, vimos o Chelsea que vinha de crises financeiras desde 1980, se superar rapidamente e chegar ao topo do campeonato inglês, faturando o bicampeonato entre 2004-2006. Abramovich revolucionou o mercado, abrindo portas para outros magnatas, empresas e mais tarde países investirem em clubes de futebol.

A Nova Indústria do Futebol adveio após toda essa entrada desenfreada de capital e sem regulação, alguns países até tentam frear toda essa entrada como é o caso da Alemanha, outros países começaram a rever toda essa questão, por exemplo a Inglaterra após a venda do Newcastle United Football Club para o fundo de investimentos da Arábia Saudita controlado pelo Príncipe Saudita Mohammed Bin Salman em 2022. É importante ressaltar que as confederações continentais, as federações e a entidade máxima do futebol, a FIFA começam a lucrar muito mais com toda essa entrada desenfreada de capitais.

Grandes empresas como a Red Bull que faz investimentos notáveis em outros esportes, não seria diferente com o futebol, tendo clubes ao redor do mundo que estampam a logo e nome da empresa nos clubes. Companhias aéreas e empresas de seguros também estão por trás dessa grande capitalização através do patrocínio, entre elas estão a Qatar Airways, Emirates, Etihad Airways, e as grandes seguradoras Allianz, AIA entre outras grandes seguradoras. Inclusive, não somente empresas privadas fazem patrocínios no futebol, empresas ligadas ao governo de diversos países também têm participado cada vez mais como Ruanda, Azerbaijão, Arabia Saudita, e a Rússia (que tinha a Gazprom que sumiu dos campos de futebol após a invasão russa na Ucrânia).

O termo sportwashing começou a ser muito utilizado por jornais especializados e no meio acadêmico desde 2015 porém a prática está presente no esporte desde o início do século 20, especificamente no pré Segunda Guerra Mundial. Basicamente o sportwashing consiste na prática de usar eventos esportivos, clubes, ou atividades relacionadas ao esporte para melhorar a imagem de uma entidade, como um país, uma empresa ou uma pessoa, com o objetivo de encobrir ou desviar a atenção de questões negativas, como violação dos direitos humanos, corrupção, abusos ou outras práticas questionáveis. Essa estratégia tem sido frequentemente adotada por governos e empresas na tentativa de criar e promover uma imagem positiva no ambiente internacional.

Catar, Emirados Árabes Unidos, Arabia Saudita, Rússia, Azerbaijão entre outros países estão inclusos nesta lista de países que praticam o sportwashing no futebol e em outros esportes pelo mundo inteiro, e em sua maioria têm colhido bons resultados em um período médio-longo. Alguns casos passaram por alguns problemas pontuais que só ressaltam a prática e os conflitos políticos internos e externos, como é o caso do Azerbaijão na final da UEFA Europa League da temporada 2018-19 com o incidente diplomático do jogador armêno Henrikh Mkhitaryan, que ficou de fora da final com sua equipe o Arsenal contra o Chelsea, por conta da questão diplomática entre Armênia e Azerbaijão.

Há inúmeros problemas como este no esporte no geral e no futebol não seria diferente, pelo menos em toda temporada há algum transtorno entre os países que acaba afetando o futebol. A guerra russo-ucraniana não poderia passar em branco, principalmente com desdobramentos que afetam os clubes de vários países, a Rússia que praticou sportwashing durante a Copa do Mundo FIFA 2018 e tinha Roman Abramovich e a Gazprom como principais representantes (apesar de já terem negado ter ligações com o governo de Vladimir Putin), sofreu um impacto quando se deflagrou a guerra. Roman Abramovich e a Gazprom sofreram um boicote internacional e das entidades futebolísticas e tiveram que se retirar rapidamente da cena esportiva, Abramovich vendeu o Chelsea Football Club às pressas e a Gazprom teve seu patrocínio rescindido e retirado da UEFA e de clubes na Alemanha e outros países, além do banimento da Federação Russa de Futebol das competições mundiais e continentais.

Esse movimento inteiro contra a Rússia jogou luz na prática problemática que outros países com condutas iguais ou piores que da Rússia, o que fez com que a Football Association da Inglaterra começasse a rever os processos de compras de clubes e patrocinadores futuros, porém entre todo esse cenário foi permitida a negociação e compra do Newcastle United Football Club pelo fundo de investimentos controlado por Mohammed Bin Salman.

Por fim, observamos o Catar que recebeu a Copa do Mundo FIFA 2022 sendo considerado um caso de sucesso pela FIFA, o trabalho de reverter a imagem do Catar através do sportwashing se iniciou em 2011 e com o tempo foi se tornando algo de sucesso com o PSG e outros clubes. A compra do Neymar Jr. em 2016 entrou para a história e acrescentou novos capítulos à prática e a tudo que norteia a compra e venda de jogadores, puxando a inflação para cima e encarecendo ainda mais os jogadores.

A cada temporada que se inicia tem se visto muitos recordes sendo batidos, mas não dentro de campo, e sim na esfera econômica do futebol. As altas no preço dos jogadores de futebol, treinadores, multas e construções são puxadas pela alta procura, logo alguns jogadores chegam a custar acima de €150 milhões. Assim, quem acaba pagando pela conta é o torcedor, o amante do futebol, as camisas licenciadas do clube, kits, direitos de transmissão, name rights, ingressos e tudo que envolve o torcedor acaba se tornando mais caro.