Eu me lembro perfeitamente de quando era criança e que já era fascinada por ciência e de como a natureza se comportava. A primeira vez que assisti ao filme Gatacca, a experiência genética, no ensino fundamental, passei dias pensando sobre a possibilidade de comprar meu perfil genético em um guichê na rua. E você? Já pensou na possibilidade de entrevistas de emprego do futuro, por exemplo, serem baseadas não somente no seu perfil comportamental e técnico, mas também pelo seu perfil genético?

Adentrando um pouco mais sobre este filme, o próprio título nos remete as 4 bases genéticas do nosso DNA compostas pelas letras ‘A, T, C, G’ que correspondem as iniciais das bases que compõem a nossa estrutura desoxirribonucleica, vulgo, DNA. Partindo disto, este filme de ficção cientifica lançado em 1997 retrata uma sociedade futurista onde as pessoas são julgadas e discriminadas com base em sua genética. Determinando assim, toda a sua história pessoal desde o nascimento: aptidões, carreira e desenvolvimento psicossocial.

Entrando no mundo atual, e com acesso a um grande número de pesquisas na área, já existem diversos estudos que evidenciam que o perfil genético pode não somente influenciar, mas gerar resultados palpáveis através do seu mapeamento.

Uma área que já possui alguns dados publicados neste sentido, é o setor esportivo. Algumas modalidades esportivas já iniciaram estudos de investigação sobre a relação entre os genes e o desempenho atlético. Esses estudos geralmente se concentram em características como a predisposição para certos tipos de fibras musculares, capacidade aeróbica, força e resistência.

Além disso, algumas mutações genéticas (alterações na sequência do DNA de um gene) denominadas polimorfismos, podem promover vantagens físicas. Existe inclusive um estudo no Brasil guiado pela Universidade Federal de São Paulo onde a equipe molecular do prof. João Bosco Pesquero isolou 4 genes (ACTN3, ECA, AGT e BDKRB2) que poderiam sinalizar qual seria a característica física predominante de um atleta. Desde 2009, este trabalho já colheu mais de mil amostras de DNA de atletas e ex-atletas, alguns consagrados por seu rendimento físico em quadras como o tenista Gustavo Kuerten e os jogadores de basquete Oscar e Hortência.

Esta pesquisa também possui resultados escaláveis. Um time de basquete que disputava a liga brasileira em 2012 e estava perdendo no primeiro turno (somando apenas 2 vitórias de 17 jogos) decidiu apostar no perfil genético como medida para tentar melhorar o rendimento de seus jogadores e através dos resultados obtidos alterou a preparação física dos seus atletas. O resultado foi surpreendente: venceu 10 dos 17 jogos do segundo turno e seus jogadores, que possuíam uma vasta coleção de lesões, tornaram-se mais resistentes e se machucaram menos.

Outra aplicação do conhecimento do genoma humano é a medicina de precisão. Esta que se torna a cada dia mais difundida nos hospitais e consultórios médicos, consiste na doação de uma amostra sanguínea do paciente, onde o laboratório irá analisar genes previamente selecionados e conseguirá direcionar tratamentos e terapias mais eficazes assim, personalizando o tratamento. Mas, este tipo de abordagem também pode ter um papel fundamental na identificação precoce e preventivo. Como no caso da atriz Angelina Jolie, que após um exame genético detectou mutações nos genes BRCA1 e BCRA2 alvos importantes no diagnóstico do câncer de mama o que a levou a tomar uma decisão cirúrgica preventiva mesmo sem apresentar indícios da doença ou sintomas.

Hoje também já se tornou rotina testes moleculares para diagnóstico de intolerância à lactose e glúten, e muitos nutricionistas utilizam painéis genéticos para direcionar seus pacientes a terem uma alimentação mais adequada de acordo com suas características genéticas. E dentro disto abre-se um universo, pois pode-se tratar através da mudança do estilo de vida, diabetes, cardiopatias em geral e outras doenças metabólicas.

Até aqui discorremos sobre o conhecimento da própria carga genética e formas de manipulá-la por vias externas. Mas, e se existisse alguma ferramenta que alterasse o próprio DNA? Em 2012, foi descoberta uma proteína denominada CRISPR-Cas9 que conseguia realizar o feito: detectar uma determinada sequência de DNA e alterá-la.

Esta tecnologia, tornou-se um disruptor na medicina: imagine a quantidade de doenças genéticas que poderiam ser “corrigidas” ou atenuadas pela então apelidada ‘tesoura molecular’. Porém, apesar da grande descoberta a mesma trazia consigo seus riscos e desafios. O mecanismo pelo qual ela reconhece o DNA e se acopla não é totalmente esclarecido. E se a proteína se ligasse a outros pontos da dupla fita de DNA além do alvo? Quais seriam as consequências? Muitos estudos ainda precisam ser realizados, pontos esclarecidos e mecanismos reconhecidos.

A hipótese então, de através desta nova ferramenta serem realizadas alterações de objetivo estético em novas gerações neste momento se torna inviável. Para termos uma ideia, ressaltando aqui um exemplo clássico, seria a determinação da cor dos olhos através da tecnologia CRISPR. Levando em consideração que a deposição de melanina tem origem poligênica, ou seja, são vários genes envolvidos e ainda se desconhece totalmente a sua participação no resultado final, imagine alterá-los simultaneamente seria um risco incalculável.

Não há leis a nível global que proíbam o estudo do CRISPR-Cas9 em embriões e células germinativas (óvulos e espermatozoides). No entanto, existe um debate ético nas sociedades científicas mundiais a respeito do limite, pois edições genéticas nos tipos de células supracitados poderiam inferir riscos para as próximas gerações.

Então, respondendo ao título deste artigo, podemos sim estar caminhando para a era do filme Gattaca, mas ainda não somos produtos desta realidade. E plantando uma dúvida particularmente benéfica, quando o roteiro deste filme foi criado não se conhecia a Epigenética (que está acima da genética). Mas, este é assunto para um próximo artigo.