Olhando para o cenário que vivemos hoje, nós, adultos, nos esbarramos com preocupações que são decorrentes ao nosso passado. Falando sobre o processo de alfabetização, muitas barreiras envolvem esse assunto, fomos doutrinados a permanecer e memorizar o conhecimento de forma engessada, inflexível, sem possibilidades de vivermos na pele, no toque, nas relações, na alma todas as etapas fundantes para que o conhecimento efetivamente fosse concretizado. O ensino acontecia como depósito de informações, como se todos fossem máquinas, iguais, ao mesmo tempo, mesmo formato, sem pensar na individualidade do ser!

São esses os rastros que existem na geração dos anos 80, viveu e vive nesse mesmo lugar, porém atualmente reflete em seus filhos, seguem com a mesma concepção, com os mesmos erros, com os mesmos traumas. Estamos na era da preparação para o vestibular, esquecendo-se do aqui e o agora, pulando etapas, processos importantíssimos para construção do eu, experiências que precisam ser vividas no corpo, nas mãos. Conhecer-se, relacionar-se faz parte dessa constituição para a vida. Ainda estamos condicionados a acreditar que o aprendizado se dá sentado em cadeiras olhando para o pescoço do outro, infelizmente.

De acordo com a BNCC (Base Nacional Comum Curricular) o processo de alfabetização infantil, no Brasil, deve-se iniciar no 1º ano do ensino fundamental, por volta dos 6 anos de idade. Espera-se que a alfabetização integral dos estudantes seja até o final do 2º ano do ensino fundamental. Até lá, existe um grande percurso de transformação, de conhecimento de si, de aprofundamento em várias áreas do conhecimento, de conexões e estabelecimento sólido dos conteúdos. Aposto em propostas que coloquem o corpo em movimento, que façam vivências ricas para ampliar o olhar, o repertório e aguçar a curiosidade, reflexão e criatividade. Nesse contexto a língua escrita acontece de forma natural, por explorarem diversos caminhos antes de chegar ao ponto final.

O escrever, o reconhecimento das letras, a decodificação desses símbolos estão totalmente ligados ao ato de desenhar, entendemos que esse processo é complexo, porém muito natural para as crianças, em tudo desenham, se expressam, transformam linhas em artes grandiosas, detalhadas, ricas em cores.

Edith Derdyk afirma que a linha, elemento essencial da linguagem gráfica, não se subordina a uma forma que neutraliza suas possibilidades expressivas:

A linha pode ser uniforme, precisa e instrumentalizada, mas também pode ser ágil, densa, trepidante, redonda, firme, reta, espessa, fina, permitindo infindáveis possibilidades expressivas.

A linha revela a nossa percepção gráfica. Quanto maior for o nosso campo perceptivo, mais revelações gráficas obteremos. A agilidade e transitoriedade natural do desenho acompanham a flexibilidade e a rapidez mental, numa integração entre os sentidos, a percepção e o pensamento.

A partir de instrumentos diversos, o exercício do ato de desenhar, de utilizar a linha como uma reprodução do pensamento é, impresso no papel a marca de um sonho, uma brincadeira, emoção, medos, resistências.

Para que essas marcas sejam registradas não basta somente copiar formas, figuras, entre outros, precisa-se de uma postura global, a consciência em sua potencialidade como instrumento de conceituação e representação.

Reavivando a memória, trazendo lá dos primórdios, o desenho assumiu um papel fundamental na comunicação para os homens das cavernas. No renascimento, o desenho ganha cidadania, transforma-se em designo, intenção, propósito, projeto humano.

Nos dicionários podemos ver o significado como representação de formas sobre uma superfície, por meio de linhas, pontos e manchas com o objetivo lúdico, artístico, científico ou técnico, um desenho de criança, um desenho de paisagem, um desenho de uma anatomia.

Partindo dessa prática, de todo esse processo, consegue-se perceber que as crianças passam a se comunicar de modo eficaz, com competência, em variados contextos de uso da linguagem.

A grande Emília Ferreiro diz: a escrita é importante na escola pelo fato de que é importante fora da escola, não o contrário.

Falando sobre esses contextos comunicativos reais, são essenciais sobre a função social da linguagem escrita mais especificamente, transitando por esses diversos caminhos do conhecimento, percursos e ações acerca de diferentes portadores textuais, de gênero, tanto escritos quanto orais. Ter a oportunidade de se aproximar de conteúdos linguísticos que adquirem sentido nas práticas, comportamentos que envolvem o falar e ouvir, levantar hipóteses, realizar pesquisas em várias fontes e mergulhar na composição do livro.

De forma contextualizada, significativa, o aprendizado acontece. Ofertar inúmeras possibilidades é a grande questão para que a criança possa decifrar e entender o funcionamento da nossa língua escrita!