Naquele dia acordei com uma dor no calcanhar e pensei que talvez o tivesse batido na parede sem querer, enquanto dormia, pois nem sempre sabemos quem somos enquanto estamos em transe, no sono.

Aos poucos e de olhos quase abertos, percebia os ácaros, o abafado clima e as cores em tons cinzentos do dia, tanto enquanto pisava no chão frio da casa, quanto sentia o extenso cheiro de chuva molhada.

No banheiro, a janela confirmava a minha teoria de que, de fato, este dia se tratou de um daqueles em que a chuva se faria presente até o final. Não tão desperto de frente ao espelho, me via, naquele dia, com um habitual e natural frizz do meu cabelo e com fome.

Também naquele dia, eu ouvia um estressante zumbido no ouvido e, por longos cinco minutos, sentia um chiado estridente na mente me dizendo que algo não estava bem, quanto pensava que estaria — em minha memória é guardada a fatídica lembrança obsoleta: seria, naquele momento, o fim do mundo acenando lá fora para mim pela janela?

Despretensiosamente, pisei em uma poça de urina perto do vaso enquanto urinava. Não tinha certeza do que havia acontecido comigo naquela manhã. Aliás, nem sabia que horas eram, e pode ser que nem manhã fosse, de fato, nessa história. Lembro que a luz cinza que clareava o banheiro, não estava clareando, naquele dia, o recinto.

Uma das coisas mais curiosas daquela manhã foi o que aconteceu no próximo acontecimento. Do ralo perto do vaso eis que surgiu uma simples forma de vida, tonta e nervosa barata pequena, que se afirmava enquanto vivente e experiente naquele dia caótico. Me pergunto, até hoje, se seria ela uma demonstração de como meu próprio cérebro acordou funcionando naquele dia, ou se as sinapses estavam no mesmo ritmo desse ser.

Era deveras interessante a forma como ela corria rápido para cima de mim, querendo respostas de algo que eu não fazia ideia do que significava, tampouco que sentido tinha. Senti aperreio, no pé à garganta.

No próprio pavor, decidi prontamente me afastar depressa, que fez com que a barata infelizmente se insatisfazer de não ter conseguido o que ela realmente queria. Cortei, naquele momento, e de certa forma, o barato da barata.

Mas tudo o que se sucedeu posterior a isso, é melhor ninguém saber detalhes do odor singular ali presente, deixado por aquele bicho. Saindo do banheiro, já em transe e um pouco perturbado – o dia tornou-se mais escuro do que o dia anterior. Mas ainda era cinza.

Na memória mais vívida possível, aquele frio meio molhado tomava (e toma agora, como um copo de café esfriado) conta dos cômodos daquele apartamento, junto à minha pele – estava à vista, em outra janela próxima à mesa, criaturas brilhando na luz que beijava o chão da sala de estar. Eu fiquei altamente apreensivo.

Naquele momento, a vista não era baseada meramente em coisas que dão a entender que toda essa narrativa seja um episódio psicótico ou de alucinação. Não. Ali, na minha frente, eram alguma espécie de insetos que não sei como nomeá-los. Naquele momento eu somente sabia que eram perturbadores voando, vários deles giravam em espiral e sem sentido algum de direção lógica, ao menos para mim.

Até que, de repente, eles avançaram para cima do meu corpo aflito, que, assustado, decidiu espantá-los com as mãos, deixando-as sujas de uma espécie de líquido deixado pela morte deles, ou, em outras palavras, devido ao assassinato cometido ali naquela manhã. As emoções de novo tomaram conta do meu corpo, e dessa vez era o pânico.

Já o sentimento em questão era de cunho duvidoso. Desespero ou ansiedade? Ou até mesmo o próprio pânico - Talvez tudo isso. Já não sabia o que eram emoções e sentimentos. Na verdade, lembro que, a última das minhas preocupações naquele momento era nomear alguma coisa, mesmo embora eu acredite que aquilo se tratava de um susto precedido, como aqueles que levamos à noite, como um passo que passa uma lombada.

Cansado e tendo voltado para o banheiro, correndo e apreensivo do acontecido, lembro que tentei manter as mãos limpas como se não tivessem sido sujas de sangue – como também se não quisesse ter o sentimento de culpa.

No espelho, via mais de uma vez, a mesma expressão facial de praxe, porém com as pupilas escuras dilatadas e atentas, mais do que nunca. Tendo voltado ao corredor do banheiro que dava para a sala, já não havia insetos voadores perto da mesa. Ali tomei para mim a ideia de que não ficaria mais presente naquele lugar. Então, peguei a xícara de café que estava quente e entrei no meu quarto.

Na cama, lembro que senti um puro sentimento que pulsava no pé da orelha, às veias de todo o corpo correndo sobre a pele. Eu, que havia nomeado vários sentimentos no dia, decidi nomear o narrado aqui em questão de “cinza”, naquela quinta.