Certo dia soalheiro, Anacleto saiu de casa e montou a sua bicicleta, decidido a dar um belo e aprazível passeio por essa cidade fora. Mas calma, isto não é assim. Andar de bicicleta não é só montar, dar aos pedais e zuuuum, estamos a andar. O Anacleto colocou o seu capacete, calçou umas luvas amarelas de ciclista, colocou umas cotoveleiras e umas joelheiras, também amarelas, e, só depois disso, é que montou a sua bicicleta. Segurança acima de tudo. E lá foi Anacleto, rua a fora, pedalando alegremente, com o vento a fazer-lhe cócegas na cara, provocando-lhe um sorriso.

Como detestava subidas, Anacleto tratou logo de optar pelo caminho que o levava a uma longa e divertida descida. Assim só tinha de segurar bem o guiador e não precisava de pedalar por aí além.

Tudo indicava que a viagem iria ser sossegada, como de costume. Mas não foi. Chegado ao topo da colina, começou a descer por ela abaixo, descontraído. Mas, ao aproximar-se do primeiro semáforo vermelho, Anacleto apertou os manípulos dos travões, primeiro o travão de trás para abrandar e depois o travão da frente para parar mesmo, mas só ouviu um tclinck, e um stung. Os cabos de aço que acionavam os travões rebentaram. De maneira que a bicicleta não abrandou nem parou. Seguiu sempre, sempre, sempre, sempre, perigosamente sempre, sempre, sempre. Nem se atreveu a pôr os pés no chão, pois, àquela velocidade, isso seria queda feia na certa.

À sua frente atravessou-se um autocarro enorme, que cruzou a rua vagarosamente. Anacleto viu o autocarro a aproximar-se rapidamente da sua cara, sem poder fazer nada. Fechou os olhos e encolheu-se todo, o impacto era iminente.

Socorooooooo! – gritou Anacleto muito aflito.

Mas, no último instante, o autocarro passou e Anacleto seguiu sem chocar nele. Só que, como ia de olhos fechados, não percebeu que a sua direção se alterara e, saindo da rua, avançou para cima do passeio. E por lá seguiu, sem controlo e a grande velocidade. Por um segundo achou que se tinha salvo, mas depois viu que à sua frente estava uma esplanada com pessoas sentadas a tomar café e a comer tostas mistas.

— Ai, ai, ai, ai! - gemeu Anacleto.

Tlim, tlim, tlim, tlim!

Anacleto acionava a campainha da sua bicicleta de forma a alertar toda a gente do perigo. E era só o que ele podia fazer pois a bicicleta não parava. E não podia desviar-se pois o acesso à rua estava bloqueado pelos carros estacionados na berma e, do outro lado do passeio, havia a parede alta de um prédio. Ah, só podia fechar os olhos. E fechou-os.

Tlim, tlim, tlim, tlim!

Na esplanada, o empregado de mesa, que levava nas mãos uma bandeja com pastéis de nata, viu a bicicleta a avançar à maluca contra ele. Começou a gritar:

— Fujam, fujam, fujam! Vem aí uma bici…

Poing!

O empregado de mesa não acabou a frase pois Anacleto passou por ele derrubando a bandeja e fazendo voar os pastéis de nata. Dois dos pastéis colaram-se na cara de Anacleto, um em cada olho. A bicicleta levou mesas e cadeiras à sua frente mas, por sorte, nenhum dos clientes foi atingido. Anacleto tirou um dos pastéis de nata de um olho, para poder ver por onde ia, e comeu-o (não o ia deitar fora, os pastéis de nata são tão bons). Meteu-o inteiro na boca mas logo se engasgou pois viu o que estava à sua frente. O empregado de mesa, que o observava, também viu, levou as mãos à cabeça e disse baixinho:

— Coitadinhos dos bichinhos.

Anacleto disse muito alto:

— Coidadinho dos bidinhos! - Falava assim porque tinha a boca cheia de pastel de nata.

Os bichos a que eles se referiam eram os que estavam na loja de animais, cuja montra estava no trajeto da bicicleta desgovernada. Ele não tinha como se desviar a tempo. E a bicicleta não parava, seguia sempre, veloz.

— Aaaaaaaahhhhh! - gritou Anacleto.

— Uuiiiiiii! - gritou o dono da loja.

Tlim, tlim, tlim, tlim!

Foi o desastre total. Catrapuz, pim, pumba, traz, fez o vidro da montra da loja. Traz, pim, pumba, point, fizeram as gaiolas a partirem. Au, miau, ssss, piu, kss, fizeram o cão, o gato, a cobra, o canário que o homem assustou. Mas mesmo assim a bicicleta não parou. Entrou pela montra e saiu pela porta, do outro lado. Nenhum bichinho ficou magoado, mas houve uma tartaruga que ficou presa no guiador da bicicleta. Por acaso, era uma tartaruga que adorava velocidades. Ficou todo contente.

Anacleto não largou a sua bicicleta e lá foi seguindo rua fora, sempre em grande velocidade. A tartaruga ia de boca aberta a gozar o passeio.

Tlim, tlim, tlim, tlim!

Anacleto não sabia como acabar aquela confusão. Decidiu comer o outro pastel de nata, que tinha ficado enfiado no outro olho.

Foi então que a descida acabou e uma pequena subida se apresentou no caminho de Anacleto.

— Boa!

Assim a bicicleta teria de parar, era uma questão de tempo. O balanço que a bicicleta levava haveria de ser anulado pela subida.

Enfim, a bicicleta parou. Anacleto suspirou de alívio e preparou-se para colocar o pé no chão. Mas, antes que o conseguisse fazer, o raio da bicicleta começou a andar para trás.

— Oh, não! Vai começar tudo de novo? Não! Não pode ser! Ai, ai!

Para evitar uma nova corrida maluca, Anacleto não esteve com meias medidas e atirou-se para o chão.

Catrapuz!

Caiu muito mal. Bateu primeiro com as joelheiras, depois com as luvas e a seguir com as cotoveleiras. Mas mesmo assim não conseguiu evitar rodar o tronco e bater com o capacete e com o rabiosque no pavimento. A tartaruga também caiu mas, como se enfiou dentro da sua carapaça, não se magoou. Anacleto concluiu então que fora boa ideia ter trazido todas aquelas proteções, não se magoou nem nos joelhos, nem nas mãos, nem nos cotovelos nem na cabeça. Só lamentou não ter trazido proteção para o rabiosque. E pronto, acabou a história.