Todas as manhãs levando meu filho à escola, entre um grande condomínio de alto padrão paulistano e uma comunidade simples, vemos passar um garoto de seus treze anos acompanhado por uma mulher, provavelmente sua mãe. Imaginamos que eles também estão a caminho da escola, pois o menino está sempre vestido com um uniforme completamente vermelho de moletom (calça e jaqueta) e por baixo leva camiseta branca. Anda rapidamente e inclinado para frente.

Este constante encontro a distância matinal me faz lembrar de tantos outros que temos no decorrer das nossas vidas. Aqui não falo dos encontros plenos com interações de diálogos, falo apenas dos encontros diários com pessoas desconhecidas pelos nossos caminhos. Pessoas que jamais ou quase nunca interagimos, mas por uma questão das rotinas cotidianas, ou do destino, nos encontramos repetidamente.

Entre a minha infância e adolescência me encontrava diariamente com as mesmas pessoas no ponto de ônibus a caminho ou retornando da escola. Quase nunca falava com ninguém, além de ser muito tímido à época, tampouco me arriscava a falar com estranhos, pois tinha aqueles conselhos de pais e avós gravados no meu subconsciente “Não converse com estranhos!”.

Num desses dias, ainda criança, retornando para casa, caia uma leve chuva, o ônibus demorou mais que o habitual e, obviamente, o ponto ficou mais cheio. Quando finalmente um ônibus se aproxima e lentamente vai freando em direção ao ponto, uma mulher, que sempre estava ali no meu horário, se adianta em direção a parte de trás do ônibus (por onde entravámos).

Neste momento, por alguma razão, talvez pista molhada, talvez freio ruim ou quiçá pelos dois, o ônibus derrapa e sua parte traseira vira em diagonal contra o ponto de ônibus arremessando a mulher ao chão. Cena impactante, gritos, chuva fina intermitente. Todos assustados socorrem a mulher, que suavemente se levanta e recobra a consciência, aparentando apreensão, porém discrição e senso de urgência para seguir seu caminho. Todos sobem no ônibus, inclusive a mulher. Seguimos já dentro do ônibus com olhares assustados entrecortados.

Após esta experiência jamais me atrevi acercar-me ao ônibus enquanto não totalmente parado.

Muitos anos depois, já casado e com filhos, a nossa empregada doméstica passou por uma experiência apavorante. Sempre se encontrava com uma mesma mulher no trem a caminho do trabalho. Destes encontros frequentes, começaram a conversar. Tempos depois ela passou a considerá-la como uma amiga e resolveu indicá-la para trabalhar na casa de um dos nossos vizinhos.

Terrível erro! Na realidade esta mulher pertencia a uma gangue especializada em fazer estas aproximações para, na sequência, furtar a casa que tinha sido indicada para trabalhar. Por confiar numa desconhecida e tentar ajudar, a nossa empregada foi presa. Um advogado amigo nosso ajudou em seu processo de liberação, mas ela seguiu prestando diversos depoimentos. Um desgaste absurdo! Tempos depois esta quadrilha foi identificada e presa.

Por esta triste experiência talvez a nossa antiga empregada siga atualmente o mantra de nossos pais e avós “Não converse com estranhos!”.

Durante a pandemia com todas as limitações de utilização dos espaços fechados, passei a caminhar e correr pelas ruas pela manhã. Sempre encontrava os mesmos “atletas” e os mesmos trabalhadores neste horário. Algumas dessas pessoas me chamavam mais atenção:

  • Um senhor que aparentava ser mais velho que eu, porém tinha um fôlego maior do que o meu para a corrida e terminava funcionando como meu incentivo adicional.

  • Uma jovem que caminhava saltitante com uma bota propulsora que até então não conhecia. Depois descobri com a tia de uma amiga, que também ficou adepta desta bota durante a pandemia, que se chama Kangoo Jumps. Até hoje tenho dúvidas se gera a mesma intensidade aeróbica de uma boa corrida, mas parece divertido.

  • Duas senhoras que seguiam em direção aos seus trabalhos, trajando roupas que davam a impressão de serem evangélicas. Sempre as encontrava na ponte ou na subida da ladeira com passos firmes e entretidas numa boa conversa.

Agora que a pandemia terminou vejo apenas as duas senhoras, com uma certa frequência, quando passo de carro para levar meu filho à escola.

Ah! E os amores platônicos desses encontros diários! Quantas vezes na adolescência ficamos à espera daquela pessoa que nos faz brilhar os olhos. Lembro de situações que até perdia o meu ônibus apenas para ver a pessoa. Esperando e sonhando por aquele momento mágico de uma aproximação, uma conversa e a possibilidade daquele encontro ultrapassar a barreira da paixão platônica. Confesso que nunca ultrapassei! Sempre seguiu apenas em meus pensamentos.

E quanto ao menino de vermelho? Não sei se trocou seu horário ou se mudou de bairro, mas não temos o encontrado com a frequência de antes. Olhamos todos os dias na esperança de vê-lo passar e, todas às vezes que não o localizamos começamos a especular sobre o que pode ter acontecido.

Na verdade, fico na torcida que siga na vida mantendo o que parece ser as suas características aos treze anos: uma cara de quem ainda brinca e semblante cheios de esperança e planos para o futuro. Parece feliz em direção à escola!