Quando você acessa a internet, um tsunami de soluções para seus problemas é rapidamente lançado. Cinco maneiras de acabar com a insônia, dez para se livrar da dor de cabeça, vinte para melhorar sua saúde, trinta para ficar rico... e assim segue com instruções de comportamento ditadas por algoritmos da insatisfação.

Tenha uma insatisfação, e a internet lhe dirá o motivo e a solucionará. Sem falar nas infinitas maneiras de ser feliz, pois tudo que mostra a conduta comportamental do ser humano estará no mundo virtual. Daí, sem respirar, começamos a nos envolver com tudo isso. Sem perceber, estamos seguindo todas essas informações. Confesso que isso chega a cansar a mente. Então, dessas tantas dicas da internet, guiadas pelo "Deus Wi-Fi", as que internalizamos são as dos líderes, ou seja, dos chefes. Mas, por que precisamos de chefes? A filosofia é a porta para a compreensão do sentido da vida. Aprendi com meus chefes a entender os provérbios e ditados populares de meus pais e avós. Os chefes nos oferecem uma visão bem real das empreitadas da vida. Cada chefe que encontramos contribui para o crescimento dos seres humanos. Por mais que não entendamos, os chefes estão proporcionando amadurecimento para novas experiências. Podemos dizer que é na infância que começamos a compreender o papel do chefe ou mesmo a seguir uma carreira de liderança. Tudo começa com as histórias que ouvimos e lemos. As narrativas colaboram para a formação da construção social.

Para o escritor Ilan Brenman, “a história é a oração da criança”. Ele afirma que precisamos das metáforas para nossa construção como seres humanos. Pois bem, a cada história que ouvimos, depositamos grandes curiosidades sobre o universo. Por exemplo, descobri recentemente que o programa "Ilha da Fantasia", exibido nas décadas de setenta e oitenta, relatava muitas histórias de desejos dos visitantes em relação às escolhas de suas vidas. Nota-se que muitas histórias estão vinculadas à constelação familiar. E a série "Jeannie é um Gênio", de Sidney Sheldon, buscava compreender a revolução cultural e social com toques de humor sobre o papel social feminino. Assim também ocorre com a série "A Feiticeira", exibida nos anos sessenta, setenta e oitenta, que trazia a vida urbana utilizando como metáfora a magia da feiticeira para solucionar problemas na era da industrialização. Repare que em ambas as séries há como fio condutor o papel do "chefe". Os chefes sempre apresentam as mesmas características? São severos e causam medo? Pelas narrativas que presenciei na infância, o primeiro chefe que conheci foi meu pai. Acredito que todos os chefes vestem a mesma camisa, pelo menos foi o que observei em alguns que conheci, que tentaram mostrar um mundo de muita concorrência, estupidez e desafetos, algo que os pais escondem. Os chefes mostram a realidade com veemência de um mundo onde seu suor vale seu pão de cada dia. Seria muito bom se todos soubessem o seu lugar e sua função no planeta. As pessoas não conseguem compreender que a divisão social do trabalho foi uma construção social criada para o mundo da produção em série. Percebemos que muitas brincadeiras na infância indicam a formação do papel social. Quando comecei a trabalhar aos dezessete anos, conheci minha primeira líder, uma diretora de escola não convencional, um tanto diferente, que me alertou sobre as peripécias da vida. Até hoje é minha amiga. Com ela, descobri que a vida não é um parque de diversões e que o mundo corporativo não é uma brincadeira da infância. Meu pai sempre dizia isso.

Depois, conheci outra coordenadora que trazia o conservadorismo como pátria. Eu sempre fui “uma professora muito maluquinha”, tipo a professora do escritor Ziraldo. Aprendi com ela que as pessoas pensam de maneira diferente. Uns são cientes, outros, conscientes.

Logo em seguida, conheci outra diretora que trazia seu passado em todos os discursos. "Eu fiz isso, eu construí isso, eu tinha isso..." Aprendi com ela que o tempo é valioso.

Mais tarde, tive a oportunidade de conhecer um lugar com muitos chefes. Havia o chefe, o chefe dos chefes, o subchefe, o chefe que não se achava chefe... e assim por diante. Havia chefe para tudo. Então, aprendi que na esfera pública precisamos de vários chefes e que na esfera privada, a voz e a vez é apenas de um chefe. Aprendi que a espontaneidade e a ingenuidade desaparecem no mundo corporativo.

Quem sabe, a metodologia para a compreensão dos chefes esteja nos clássicos da literatura. E também nos livros onde a pauta é o poder.O livro "O Grande Gatsby", de F. Scott Fitzgerald, traz a busca do sucesso a qualquer preço, e o livro "O Estrangeiro", de Albert Camus, que fala do significado da vida pelo poder, assim como o livro "Os Vestígios do Dia", de Kazuo Ishiguro, que apresenta o mundo de maneira hierarquizada, relatam a diversidade nas relações sociais. Outros livros que não foram citados também ajudam a compreender o papel dos líderes. Mas aposto que vocês se lembraram da quantidade exagerada de autores que colaboram com a pauta da liderança. Fazem parte desse universo as relações de poder. Segundo Kissinger, um escritor audacioso que estudou as características da liderança, salienta: (1) Konrad Adenauer, que ajudou a Alemanha a enfrentar as conseqüências do nazismo com a “estratégia da humildade”. (2) Charles de Gaulle, que teve determinação e visão histórica para restaurar a confiança da França no pós-guerra, com a “estratégia da vontade”. (3) Richard Nixon, que demonstrou ampla compreensão do balanço de poder das potências mundiais, com a “estratégia do equilíbrio”. (4) Anwar Sadat, do Egito, responsável pelo primeiro tratado de paz com Israel, com a “estratégia da transcendência”. (5) Lee Kuan Yew, que levou coesão nacional a Cingapura, com a “estratégia da excelência”. E (6) Margaret Thatcher, britânica, que liderou com tenacidade para enfrentar a crise econômica dos anos 1980, com a “estratégia da convicção”. Então, nascemos com alguma estratégia de liderança? É no cotidiano da vida, na construção das relações sociais, que aprendemos com nossos chefes. São eles responsáveis pela nossa visão de mundo e pelos nossos sonhos. A sociologia é um caminho para a compreensão dos conflitos existentes entre os líderes e seus subordinados. Por que, para onde formos, encontraremos chefes? Por isso, não podemos abandonar a ideia de que nossos chefes nos ajudam na nossa evolução. Poderemos apresentar caminhos possíveis para a solução de problemas mesmo diante de algum conflito. Precisaremos de muitas histórias e de muitas metáforas. Precisaremos das letras, das boas letras, na construção do ser humano.

Veja o que Jean Biarnès escreveu: “A letra me permite encontrar o outro, encontrar a alteridade e, sobretudo, construir ‘meu outro’ em mim. A letra, objeto do outro se a leio, objeto para o outro se a escrevo, é um espelho mágico que me permite reconhecer-me, descobrindo-me outro. O problema do acesso à leitura, como o da iniciação à escrita, está aí. Para que, pela letra, eu possa conhecer-me outro, é necessário que eu possa antes reconhecer-me nela [...] Construir uma relação de funcionalidade com a letra é ser em vir-a-ser. Mas ser em vir-a-ser implica um duplo movimento: abandonar o presente e construir o futuro, ‘fazer não ser o meu ser e ser um não-ser’ [...] A funcionalidade da letra não é saber preencher o formulário da Previdência, ou saber responder ao questionário da assistente social, ou da apostila do professor. Propor esse tipo de exercício em um estágio de formação, ou na escola, é um absurdo, se o exercício não servir de estímulo à leitura do livro. A funcionalidade da letra é ser capaz de descobrir o segredo contido no livro! Só se aprende ou se reaprende a ler nos livros! Foi isso, exatamente, que nos mostrou aquela pessoa que tinha 'falado de literatura' com sua professora. Só a letra do livro pode deslocar o sujeito de sua aderência ao espaço-tempo de seu meio, daquela 'imagem do mesmo', e abrir, então, o espaço do jogo onde a letra tem sentido.”

As fábulas de Esopo e La Fontaine contribuíram e contribuem com os efeitos nas relações sociais diante de alguns comportamentos. Por isso, devemos desde cedo contar histórias sobre chefes, reis, líderes, entre outros heróis para crianças. Os livros "A Eleição dos Bichos" e "Quem Manda Aqui?", da equipe formada por Paula Desgualdo, André Rodrigues, Pedro Markun e Larissa Ribeiro, são ótimos para iniciar a pauta sobre liderança.

Nesse tempo, conheci um grande líder, chamado Deus, que é a bondade e o amor, é uma consciência de muita harmonia, como disse meu aluno, Thiago, “Deus é o pensamento bom da gente.” O cientista Marcelo Gleiser diz que a ciência nunca vai resolver todos os problemas, que é preciso uma nova consciência, um novo líder... Ele diz ainda “que nenhum líder pode achar que é uma ilha sozinha.” “Um líder é uma pessoa que é capaz de impor mudanças que podem percolar através da empresa e com um potencial de transformação muito grande no mundo”, Marcelo Gleiser.

Por isso, devemos criar novas narrativas para uma nova construção social dos seres humanos. Assim, somos a soma de todos os chefes. Os chefes têm um papel social de muita grandeza e sensibilidade. Todo aprendizado depositado no mundo foi realizado a partir de um líder. Como diz o escritor Ilan Brenman, “Por isso, guarde os livros de papel para as próximas gerações e siga o exemplo de Alexandre, o Grande, que carregava consigo uma caixa cheia de pedras preciosas e, um dia, quando lhe perguntaram o que havia dentro dela, respondeu que era o maior tesouro do mundo! Quando abriu a caixa, lá estavam a 'Odisseia' e a 'Ilíada' de Homero. A IA, pelo menos por enquanto, não pode mexer nos livros de papel e talvez eles contenham uma parte significativa da preservação de nossa memória coletiva e individual, histórica e simbólica.”

Que os deuses conservem os nossos sonhos, mesmo quando eles forem impossíveis.

(Fernando Pessoa)

Notas

Kissinger e liderança (por Antônio Carlos de Medeiros)