Sempre que fechamos um ciclo, é necessário saber retirar-se. Fazê-lo de forma discreta, elegante e sem ruídos. Saber que sempre haverá outro que fará o nosso trabalho tão bem quanto nós ou até melhor, saber que aquilo que julgávamos ser a nossa obra-prima talvez nunca venha a ser visto como tal ou sequer enxergado, dispensar purpurina e holofotes... São exercícios de ajuste do tamanho do ego.

Ultrapassar as fronteiras do egocentrismo é uma prova de maturidade. Aprender que o nosso ‘devido lugar’ no mundo não é tão grande nem tão pequeno quanto julgávamos que fosse, mas que, quando finalmente conseguirmos aparar as arestas da nossa onipotência, encontraremos um lugar que nos cabe confortavelmente, e onde poderemos repousar serenos sabendo que fizemos o que nos foi possível fazer e chegamos até onde as condições de contorno nos permitiram chegar... Saber que conseguimos lançar algumas sementes no coração de muitas pessoas, tendo sido concedida a graça de ver algumas dessas sementes germinarem...

Tudo deveria estar certo e tranquilo para então dormirmos o sono dos justos, contudo, alguma coisa parece que não se encaixa, pois, o que foi dito acima não consegue aplacar uma insidiosa inquietação interna e assim, quando já estamos para além da metade do caminho, muitas vezes paramos e ao olhar de relance para trás nos fazemos essa pergunta: “Qual a função e o papel de uma vida? Para que serviu a minha vida?”

Quando “o que conseguimos ser” não nos parece grande coisa e a velha onipotência ainda pede seus louros e das profundezas de nosso ser brada que palavras bonitas nada mais são do que uma tentativa de redução da dissonância cognitiva, o poeta Túlio Borges vem em nosso auxílio e em sua profunda sensibilidade nos fala do futuro e de outra perspectiva da vida:

“No futuro seremos uma versão mais melhorada de nós mesmos, os nossos defeitos sempre um pouquinho mais despiorados... A vida virá com menos partículas de feiúra porque a gente vai estar mais experiente... A gente vai estar mais preparado para a beleza já bonita que existe.... É preciso prestar atenção no presente que o presente é tudo que a gente tem ... disse que cuidemos da casa, que se dê atenção para o jardim, se ria na cozinha, se enfeite o quarto, se tome muito banho bom no banheiro consciente de que o chuveiro é o maior luxo do nosso tempo... porque a casa é para o nosso corpo, o que o nosso corpo é para a nossa alma, reveladora de quem somos, de quem podemos, ou de quem conseguimos ser... prá tudo tem uma esperança, ainda que a esperança seja fazer as pazes com tudo o que a vida nos dá...”

“Fazer as pazes com o que a vida nos dá” e “estar mais preparado para a beleza já bonita que existe” é aprender a funcionar em sintonia com o universo e se encaixar em um contexto mais amplo sem ter a pretensão de mudar o formato das coisas. É aceitar que o ponto onde conseguimos chegar na vida, a visibilidade que conseguimos alcançar não são assim tão importantes, pois antes que chegássemos aqui o universo já funcionava independente de nós, já possuía sua beleza, seu ritmo e sua harmonia próprios e tudo que é devido neste contexto é uma resposta de gratidão.

Acima de tudo, no afã de sermos “grandes” estamos perdendo o fruir das coisas simples da vida, aquelas que fazem parte da nossa rotina e que verdadeiramente valem a pena: o prazer de um banho, o riso que destrava a alma, o divino na beleza das flores...

No mundo contemporâneo viver com leveza talvez seja o maior desafio para o nosso aprendizado, pois quando se tem leveza d’alma os valores se invertem tornando-se então possível retirar-se tranquilamente e sem ruídos, sendo que a pura e simples sensação do dever cumprido já nos basta.

E nesta inversão de valores, o poeta nos fala que a experiência ocorrida com o passar dos anos nos propicia a lapidação de nossa personalidade - “nossos defeitos sempre um pouco mais despiorados” - aspecto que não havíamos sequer cogitado. Percebemos então que os objetivos da vida são outros, bem diferentes do que havíamos estabelecido e pensado.

Talvez a palavra “evolução” seja a que mais se adeque na resposta à pergunta: “Qual a função e o papel de uma vida?” Com a nossa evolução individual contribuímos como o nosso “tijolinho” para a evolução do planeta e da espécie humana. O vicejar da vida se tornaria mais harmonioso e o ser humano mais forte, mais preparado e mais conectado com o Todo, cada qual contribuindo a seu modo.

O Todo é mais do que a soma das partes, mas ele necessita de sua milionésima parte para que todas possam vibrar em uníssono.

Somos pequenos.

Somos grandes.