Existe um desejo de verdade e fidelidade que se alicerça no trabalho da consciência sobre o que está gravado na nossa memória e aí o génio do tradutor deverá manifestar-se na capacidade de reconhecer o “silêncio” da efectiva não traduzibilidade, contrastando com a atracção insana de “uma tradução perfeita”.

Logo, e como metáfora política, para Ricoeur a tradução é também uma boa resposta ao fascismo e ao racionalismo: não uma língua universal, nem tão pouco uma língua homogénea, mas talvez a pluralidade das línguas, com todas as suas diferenças e semelhanças, seja a base de uma possível convivência entre iguais…mutatis mutandis, curiosamente é isto mesmo o que as Exposições Mundiais interactivas pretenderão demonstrar com toda a sua polivalência em convívio, um espaço simbólico em que o visitante-leitor é convidado a interpretar, a compreender, a experimentar a diferença, a alteridade e finalmente a integrar tudo isso numa aprendizagem.

Como referiu Paul Ricoeur :

C´est par le grand détour d´habiter chez l´autre, que l`on découvre la dimension du chez-soi.

Para este filósofo traduzir é interpretar, é repôr a questão hermenêutica e perceber que todo o acto de compreensão é uma interpretação, já que o pensamento, o modo como se pensa, encontra-se ligado a uma língua, ao encadeamento do discurso. Assim, a tradução, através da apropriação é por excelência uma experiência do estrangeiro, do Outro e simultaneamente uma aprendizagem de si próprio. A tradução mexe com as opacidades que emergem das subjectividades; remexe a memória e faz pensar na existência de dois níveis de alteridade, pois numa mesma comunidade linguística traduz-se no dia- a- dia quando se “diz de um outro modo a mesma coisa” e esta outra maneira de dizer; além de ser uma tradução é também uma interpretação e uma compreensão de um determinado contexto.

Todavia, é com a ética e através da ética que se problematiza o sujeito, o seu discurso e os seus desejos únicos. A ética devolve ao sujeito a sua singularidade:

La distinction éthique/morale nous conduit à une nouvelle distinction qui constitue sa base, son fondement, il s’agit de la distinction de la régle (la loi code, la loi institutionelle) et la loi symbolique.

(Ibidem)

Assim sendo, e uma vez institucionalizada a moral, o compromisso ético é entendido como praxis, isto é, o acto através do qual o sujeito não somente exerce e desenvolve as suas capacidades mas ainda não cessa de se autocriar, de existir através de uma autotransformação; pois conhecer o poder que temos, descobrir as possíveis consequências das nossas acções, é parte integrante da moral.