Ainda em meus tempos de escola, eu percebi algo em mim mesmo que, mais tarde, eu chamaria de vocação para o estudo. Era uma sensação bem tímida, não chegava a admitir – aqui no Brasil, esse tipo de coisa é interpretada como uma espécie de soberba, uma declaração indireta de que todos à sua volta são idiotas. E, como havia esse receio de ser mal interpretado, eu lia livros buscando manter um estado de espírito inerte. A coisa era tão absurda quanto malhar e querer manter o mesmo físico de um sujeito sedentário.

Ora, é certo que a coisa não pode ser dessa maneira. Se um conhecimento qualquer não agregou nada ao conhecedor, sequer é possível dizer que a coisa foi conhecida de fato. O que estou dizendo, em suma, com essas vagas palavras, é isto: não basta prezar pela qualidade do conteúdo, mas também deve-se atentar à qualidade do recipiente. Por certo, eu lia, no ensino médio, os mesmos livros que hoje, mas, à época, eu era incapaz de aproveitar todo o material consumido. Me faltavam certos aspectos da personalidade que são essenciais para o intelectual.

Esses aspectos vêm com a educação do espírito que, longe de se confundir com aquela introdução técnica a qualquer tema, é a própria formação da personalidade. E, talvez, o primeiro aspecto essencial dessa personalidade seja a virtude da seriedade. Se se pensa que toda tradição filosófica se resume a elocubrações abstratas de indivíduos desocupados, já se entendeu a coisa de modo completamente errado. Cada um dos grandes pensadores estava falando daquelas coisas de maneira extremamente séria e urgente – e mesmo aqueles que falavam em tom cômico estavam sérios sobre a comicidade da coisa.

O segundo aspecto essencial é a noção de ignorância. Quando digo “noção de ignorância”, não estou me referindo àquela máxima socrática que é repetida aqui e ali a rodo: “só sei que nada sei”. Primeiramente, porque mesmo um papagaio é capaz de repetir isso. Em segundo, porque o vocábulo “nada” não evoca coisa alguma ao imaginário. Portanto, não há proveito, num primeiro momento, em meditar nisso; mas, ao contrário, deve-se ter em mente, com exatas palavras, aquilo que se ignora.

E, com isso, eu quero dizer que é um ótimo exercício do espírito sentar, pegar um papel, uma caneta e começar a escrever todas as perguntas que você não consegue responder e, em seguida, listar o quão profundo é a sua noção em cada uma das diversas áreas do conhecimento. Sem esse exercício, o sujeito estará como que navegando em mares que ele desconhece a extensão, torcendo para ter a sorte de encontrar uma ilha.

A fim de não me estender demasiadamente, pois eu poderia listar dezenas de aspectos importantes ao intelectual, citarei um terceiro, mas não menos importante, muito menos o último: a paciência. Lembro-me de quando conheci um carioca por causa de um debate teológico que tivemos. Não seria proveitoso abordar os tópicos específicos daquela conversa, mas, antes, estou falando dela porque a troca de argumentos durou cerca de oito meses. Ao final, nós postergamos qualquer conclusão para nos aprofundarmos nos estudos. O plano é retomar a nossa conversa daqui a um ano. Ora, como seria possível uma conversa tão longa sem a devida paciência?

À época, percebemos que nos faltavam diversas noções, que os argumentos de cada uma das partes eram insuficientes e que a conversa estava em círculos. Foi preciso abdicar de todo orgulho e soberba. Como dizia Sertillanges: “A verdade só presta serviço a quem a serve”. Portanto, se lhe faltam cinquenta livros para responder a uma questão, leia os benditos cinquenta livros e responda quando estiver pronto – às vezes, é necessário uma vida inteira apenas para resolver uma questão.

São poucos os ambientes que favorecem o exercício dessas três virtudes – a seriedade, a noção de ignorância e a paciência. Em regra, o meio, não querendo se comprometer, dará preferência aos discursos mais leves. A insegurança da plateia buscará por um guru, um sujeito que tenha certeza de tudo o que fala. E a rotina impelirá todos a tentarem resolver suas questões o mais rápido possível.

Eu também poderia abordar a importância da experiência de vida, criatividade, honestidade, resiliência e tantas outras coisas, mas o excesso de conselhos mais atrapalha do que ajuda; prezemos pelo meio-termo. Que não seja ignorada a gravidade de cada um dos aspectos citados; faltando um deles, qualquer trabalho será infrutífero.