Quando pensei em escrever este artigo, queria que fosse sobre videojogos e a sua importância no mundo moderno: a sua natureza como veículo narrativo de primeira linha, os milhares de milhões de receitas anuais, a forma como os jogos funcionam como um nexo entre entretenimento, arte, marketing e disciplinas STEM tradicionais.

Parecia um projecto de paixão, como se estivesse a forçar demasiado a minha narrativa. E nessa altura, é lançado o novo "The Legend Of Zelda - Tears Of The Kingdom" (TOTK), que vendeu 10 milhões de cópias nos primeiros três dias. Foi um feito incrível; para contextualizar, no auge da sua fama, o álbum "Dangerous" de Micheal Jackson vendeu 5 milhões na primeira semana. Foi mais do que um marco histórico, foi um sinal dos tempos e de como um videojogo é atualmente capaz de mover a cultura.

Tendo nascido em 1985, o ano em que a NES original foi lançada, tomei isto como um sinal de que esta era de facto a história que eu queria contar: uma carta de amor de um millennial (entenda-se, "Geração à Rasca") à indústria que desempenhou um papel crucial na sua formação artística e cultural, tendo como pano de fundo o lançamento esmagador do último episódio de uma série que ele seguiu desde o início e viu crescer até se tornar o fenómeno cultural que é atualmente.

Comecemos por tirar alguns esqueletos do armário; estou plenamente consciente dos muitos problemas que afligem a indústria, agravados pela popularidade cada vez maior dos videojogos. Os direitos laborais dos programadores são muitas vezes postos em segundo plano, e isto é tão comum nesta indústria em particular que tem uma alcunha: "crunch culture", a prática de exigir que os programadores "crunchem" (trabalhem longas extraordinárias, muitas vezes não pagas) para cumprir prazos irrealistas.

Devemos também manter-nos alerta para o abuso de sistemas de monetização como as compras "in-app" e os jogos de azar com elementos de jogo, como skins. A imensa popularidade dos jogos "free-to-play", especialmente quando concebidos para smartphones e tendo como alvo jogadores mais casuais, normalizou as práticas predatórias e de exploração no sector. Quando aplicados a ecossistemas que envolvem jogadores experientes, estes sistemas de monetização podem efectivamente criar um cenário de "pagar para ganhar". Nesses casos, os jogadores que investem fortemente em compras na aplicação encontram-se numa situação totalmente diferente da dos jogadores que apenas participam no jogo como utilizadores gratuitos.

Mas, apesar destes e de outros problemas, continuo a ser um fervoroso consumidor de videojogos e, honestamente, não vejo uma mudança no horizonte. Tenho uma ligação emocional demasiado profunda a esta forma de arte. E sim, considero-os uma forma de expressão artística, embora também possa ser um mero produto ou serviço. Mas a mesma coisa pode ser dita de romances, filmes, programas de TV, álbuns de música e praticamente qualquer tipo de "arte" que se possa imaginar.

E a minha ligação emocional ao franchise Legend Of Zelda é profunda. Ainda me lembro de comprar o Zelda original com a minha avó, apesar de este nunca me ter cativado totalmente.

Isso viria a mudar com o início da era da Super Nintendo. O terceiro episódio da série, "A Link To The Past", foi o primeiro videojogo a colocar-me numa rota inalterável para me tornar bilingue no que diz respeito ao Inglês. É frequente ouvir-se dizer que aprender uma nova língua é ser recebido num novo mundo, e este jogo tornou esse ditado realidade: Eu estava num mundo novo e fantástico, e precisava de aprender uma nova língua na perfeição se quisesse navegar correctamente esta incrível aventura.

O seu sucessor espiritual, "Link's Awakening", foi um dos meus jogos favoritos para Gameboy e transformou aqueles momentos aborrecidos das viagens de carro de todas as crianças em memórias adoráveis. Ainda não peguei no remake para a Switch, mas, com base no original, posso definitivamente recomendá-lo.

À medida que me tornei adolescente e comecei a amadurecer, a série esteve sempre ao meu lado, e "The Ocarina Of Time" até introduz uma mecânica em que é possível alternar entre um Link criança e um Link jovem adulto, o que é adequado se considerarmos como a maioria dos adolescentes se encontra perdida entre esses dois mundos.

Joguei alguns títulos da série depois deste - os meus irmãos mais novos e os meus primos insistiram que eu jogasse "The Wind Waker" na Gamecube deles, mas houve alguns anos de inevitável afastamento da série, pois distanciei-me da marca Nintendo devido à sensação de que "já não era uma criança". Um disparate, mas compreensível, pelo menos.

Reencontrei-me com a série não como jogador, mas como jornalista, e um pouco por acaso, pois acabei por representar o semanário Expresso numa mesa redonda sobre a série quando "Skyward Sword" foi lançado. A série estava a celebrar o seu 25º aniversário e a linha temporal canónica tinha acabado de ser introduzida.

Foi preciso "Breath Of The Wild" e o apelo massivo da Switch como consola para me trazer de volta, seja à Nintendo ou à série Zelda, afinal as duas marcas são tão indivisíveis para mim (e tantos outros) como a Nintendo e o Mario.

Numa altura em que o mercado já estava saturado de videojogos de mundo aberto (open world), a série Zelda conseguiu dar uma aula magna de design de videojogos e lançar um dos videojogos mais unanimemente aclamados de todos os tempos, cuja popularidade continua forte 6 anos após o seu lançamento, sendo apenas ofuscada pela sua sequela, o recém-lançado "Tears Of The Kingdom".

O próprio Link é uma personagem sobre a qual eu poderia escrever extensivamente. Partilhamos a neurodivergência de sermos canhotos (pelo menos partilhámos, nas versões antigas), mas mais do que isso, ele ocupa na minha mente o lugar que outros arquétipos ocupariam em gerações anteriores: É o meu príncipe da Disney, que quer ajudar (não salvar) a princesa que, na maioria das vezes, é uma guerreira altamente competente. Ele é o meu Robin dos Bosques e o meu Peter Pan, o rapaz de verde que vive na floresta e se recusa a crescer, mas cujos valores são inatacáveis.

E agora que me aproximo do meu 40º aniversário, é incrível para a criança que há em mim ver que sempre tivemos razão, que estávamos lá quando tudo começou e que agora, em apenas 3 dias, estamos de pé e contados, 10 milhões de pessoas. Sentir-me-ia tolo se estivesse a escrever sobre mera economia e a aplaudir o que é, na sua essência, consumismo. Mas trata-se de uma reflexão sobre a cultura do século XXI, sobre as novas formas que encontramos para contar as histórias mais antigas da condição humana, através de meios de comunicação tecnologicamente assistidos em constante evolução, como os videojogos tendem a ser quando são bem executados, como os títulos da série The Legend Of Zelda costumam ser.