Como se caracteriza o vício em tecnologia?

O vício digital, como é chamado o transtorno, pode ser identificado por meio do Teste de Dependência de Internet, reconhecido internacionalmente. O teste verifica, além do tempo despendido no uso das redes, como a internet interfere na rotina, nas emoções e nos relacionamentos dos usuários em situação de vício. O impacto dessa influência é que vai indicar a gravidade do vício em tecnologia.

As consequências do vício vão desde a queda no rendimento escolar até a incidência de comportamentos agressivos e antissociais, além da ansiedade. Os transtornos mentais, segundo os pesquisadores, são mais elevados entre os viciados no uso da tecnologia que entre o grupo de jovens com nível de acesso dentro do limite. Pode-se inferir, portanto, que o vício em internet pode levar ao aumento de problemas psicossociais, podendo gerar ainda outros problemas, como o isolamento social. A agressividade é uma das consequências mais impactantes, quando a família impõe limites ao viciado, impedindo-o de acessar a internet ou outra tecnologia. Além disso, a violência e a ameaça à integridade, tanto do viciado como de outras pessoas, também podem ocorrer.

Segundo estudo feito pela Universidade Federal do Espírito Santo, a cada 04 adolescentes brasileiros, pelo menos 01 é dependente da internet, em nível grave ou moderado. A pesquisa foi feita pelo Ambulatório Integrado dos Transtornos do Impulso, que considera este resultado representativo da realidade dos centros urbanos brasileiros, nos quais os jovens, muitas vezes, são protegidos pelos pais, devido a fatores como insegurança e aumento da violência.

Identificando o problema

Um dos motivos mais relevantes para o desenvolvimento do vício em tecnologia é a solidão, sendo a baixa autoestima outro aspecto significativo. O uso patológico de chats e redes sociais propicia a projeção de carências emocionais, como forma de contrabalancear o que não se consegue resolver na “vida real”.

Segundo os especialistas, os jovens estão em busca de afirmação de sua própria imagem, e a internet proporciona a popularidade e a aprovação que o meio exterior não oferece. Outro fator que influencia o jovem a se viciar é a elevada taxa de desigualdade cultural brasileira. Na vida real, os jovens frequentam locais e conhecem pessoas que geralmente pertencem ao mesmo círculo sociocultural. Assim, um jovem da periferia de uma grande cidade acessa a cultura que é desenvolvida neste meio. No mundo virtual, ao contrário, o mesmo jovem pode acessar uma infinidade de âmbitos culturais, o que aumenta a sua vontade em permanecer conectado virtualmente, abandonando, com o tempo, sua conexão com o mundo real.

Como consequência, crianças e adolescentes conectadas ao mundo virtual por períodos prolongados enfrentam uma queda na capacidade de interação interpessoal1, ao privilegiar o uso do celular, dos jogos e dos chats, em detrimento da comunicação com pessoas reais, além do fato de não conseguir se organizar plenamente para as atividades cotidianas.

Estudo recente revela que as pessoas nascidas na década de 90 são dependentes de internet. A Ericsson, marca mundial na fabricação de celulares, promoveu um estudo no Brasil que alerta para o perfil das pessoas viciadas em tecnologia. Os dependentes digitais, em geral, são pessoas jovens, entre 13 e 23 anos, nascidas depois da década de 90. Estão sempre acompanhando as novidades digitais do universo de smartphones, tablets e notebooks.

Cerca de 25% destes jovens possuem aparelho celular com acesso à internet; 90% possuem aparelho celular; em torno de 70% deles têm acesso a computadores em casa. Segundo a pesquisa, o envio de mensagens eletrônicas é diário. A frequência nas redes sociais também é elevada, com quase 90% do total cadastrados em pelo menos uma rede social, ao passo que 64% as acessam diariamente.

Quais reações o vício pode gerar no indivíduo?

Quanto mais acessível o aparelho, maiores os riscos de desenvolver problemas na saúde, de acordo com especialistas. O excesso no manuseio de aparelhos eletrônicos acarreta vários males aos usuários, desde lesões nas articulações, relacionadas ao uso exacerbado de aparelhos com telas pequenas, bem como à digitação em teclados minúsculos, podendo chegar a quadros de LER (Lesão por Esforço Repetitivo), que não é considerada uma doença, mas uma síndrome. A LER é composta por problemas, como tendinite, bursite, epicondilite, dedo em gatilho e mialgias, causando problemas nos músculos, nervos e tendões dos membros superiores, sobrecarregando o sistema musculoesquelético. Os principais sintomas são dor e inflamação. Atualmente, o problema é reconhecido também por nomenclaturas, como DORT (Distúrbio Osteomuscular Relacionado ao Trabalho), LTC (Lesão por Trauma Cumulativo) e AMERT (Afecções Musculares Relacionadas ao Trabalho).

A LER configura-se como uma das lesões mais comuns entre os viciados em tecnologia, afetando músculos, tendões e nervos, em especial o pescoço e os membros superiores, devido à exposição excessiva no uso de notebooks e mouses. Apesar de existir tratamento, é fundamental buscar o auxílio médico aos primeiros sinais da síndrome, para que não chegue a níveis mais graves. Outros sintomas são náuseas, taquicardia, problemas de coluna, torcicolo, tendinites, insônia, estresse, ressecamento da retina, perdas auditivas e sudorese.

Além do aspecto físico, o emocional também pode apresentar sintomas, entre eles a angústia, o vazio existencial, quando a vida parece não ter mais sentido, o desespero, pânico, estresse e irritabilidade. Problemas de ordem emocional e psicossocial não ficam de fora, pois nossos sentimentos e sensações psíquicas têm relevância significativa na promoção da nossa saúde e do bem-estar.

O que a dopamina tem a ver com isso?

A ação da dopamina em nosso cérebro, a responsável pela sensação de prazer, aciona diretamente nosso circuito de recompensa. A dependência do smartphone é como os vícios em geral, tem potencial aditivo, induzindo à exclusividade, à tolerância e à abstinência, cujos processos bioquímicos incluem a dopamina. O ponto chave é sintetizado na capacidade que os dispositivos tecnológicos têm de proporcionar prazer, por meio da dopamina no cérebro.

Seguindo esta lógica, faz-se necessário, para reverter ou evitar o desenvolvimento do vício, a substituição do prazer que o uso do celular proporciona por outras formas de busca pelo prazer no nosso ambiente, de forma equilibrada: a experiência de um amor real, a prática de atividades esportivas ou em grupo, a companhia de amigos em uma festa, o resgate de hábitos positivos, a manutenção de relacionamentos reais com amigos e principalmente com a família. Com isso, será possível trazer para o redor do viciado afeto, carinho, sensação de toque e “olho no olho”, trazendo-o em corpo presente para as vivências reais.

O enfrentamento da realidade tal como é, aliado a estratégias eficazes de inserção social, reconhecimento e resolução de problemas existenciais configura-se em um caminho para a busca de uma vida plena, sem artifícios. A autoaceitação influencia de modo significativo na melhor qualidade de vida, uma vez que proporciona ao indivíduo a chance de se conhecer e de se familiarizar com sua essência.