Mãe Bernadete, liderança quilombola, assassinada a tiros em Salvador. Bernadete Pacífico entrou para a vergonhosa estatística de quilombolas assassinados no Brasil. Dados do CONAQ (Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas), apontados pela Folha, indicam que, ao menos, 30 lideranças quilombolas foram assassinadas nos últimos dez anos.

Bernadete Pacífico alertou diversas vezes sobre o risco de ser executada, visto que, há alguns anos, precisamente em 19 de setembro de 2017, seu filho Binho do Quilombo foi assassinado. Ele também era uma liderança quilombola e um ativista que ao mesmo passo que acumulava admiradores, ganhava inimigos.

Mãe Bernadete estava no Quilombo Pitanga dos Palmares quando foi covardemente assassinada. Numa sexta-feira, dois homens entraram no terreiro, trancaram os netos dela em um quarto e deram 12 tiros em seu rosto.

Segundo familiares e pessoas que vivem na comunidade, mãe Bernadete pode ter sido assassinada por se opor à implantação de um aterro sanitário que ficaria dentro do quilombo, assim como aconteceu com o seu filho. Até o momento, não é possível decretar um motivo, já que quilombolas e líderes do movimento negro, pessoas que representam a resistência, incomodam muita gente, desde fazendeiros, políticos e uma gama de outras pessoas que são contra a luta pela questão fundiária da terra.

Binho do Quilombo é só mais um dos casos que estão abertos em algum arquivo da polícia. Algumas semanas depois, foi divulgado que os assassinos de Mãe Bernadete foram pegos e que a motivação do crime seria o tráfico de drogas, mesmo que isso não pareça minimamente perto do motivo real.

Jurandir Pacífico, filho de dona Bernadete, também especulou sobre a interrupção da implementação do aterro sanitário, como o principal motivo da morte de Binho e possivelmente de sua mãe, além disso, Dona Bernadete “incomodava” muito com a sua indignação pelo assassinato do filho. - Ela lutou por justiça até seu último dia.

Há pelo menos seis anos, toda a família e comunidade quilombola eram ameaçadas. Um fato curioso sobre o Quilombo Pitanga de Palmares é que está próximo a um polo petroquímico de Camaçari e da refinaria Landulpho Alves, uma grande área de repleta de mata atlântica, fauna e flora, ou seja, é uma região cobiçada por muitas autoridades, há muito dinheiro e interesses envolvidos por trás de inúmeras tentativas de tomar essa terra do povo que de fato tem direito a ocupar essa terra.

Jurandir Pacífico afirma que ele provavelmente é o próximo a ser executado, já que ele também vem recebendo ameaças e, apesar de estar passando por isso, ele afirma que não tem medo de morrer porque já perdeu seus dois pilares, seu irmão e sua mãe.

O questionamento que fica com essas mortes é: Até quando o Brasil ainda vai deixar esses crimes ficarem impunes? A sociedade brasileira ainda carrega as consequências da escravidão.

Em pleno século XXI, os povos indígenas e quilombolas ainda precisam brigar por espaço. É preciso esperar os desdobramentos do caso, mas é difícil acreditar que a sociedade vai testemunhar a justiça ser feita.

Pela primeira vez na história, o Censo de 2022 incluiu em seu questionário perguntas para identificar pessoas que se autodenominam quilombolas. A descoberta seria surpreendente se não fosse óbvia.

Sabe-se que cerca de 1,3 milhão de pessoas se autodeclaram quilombolas - Isso significa que são pessoas que têm laços históricos e ancestrais com a comunidade e com a terra em que vivem. Os quilombos eram espaços de liberdade e resistência onde viviam comunidades de pessoas escravizadas fugitivas entre os séculos XVI e XIX. Cem anos depois da abolição da escravidão, a Constituição de 1988 criou a nomenclatura “remanescentes de comunidades de quilombos” -- expressão que foi sendo substituída eventualmente pelo termo "quilombola".

Mesmo com o passar dos anos e a evolução da sociedade, os quilombolas ainda sofrem com os mesmos males repaginados e a luta é contínua e árdua, amarga como sempre. Até o momento em que este texto foi produzido, ainda esperamos por justiça e perecemos na impunidade. Até quando a carne mais barata do mercado será a carne negra?