Quanto tempo você estaria disposto a esperar para ver seu projeto se concretizar?

Há algum tempo atrás tive a oportunidade de conhecer os autores Eduardo Melo e Mariana Bardan, responsáveis pela incrível série Cangaço Novo, do Prime Video. Eles palestraram em um laboratório de narrativas transmídias no qual eu participei, onde contaram sobre as inspirações para a série, a criação dos personagens e entre outros detalhes muito bacanas sobre o processo criativo.

Entretanto, um ponto me chamou particularmente a atenção: Eles levaram cerca de 10 anos para que finalmente pudesse ver o projeto sair do papel e ganhar as telas!

Hwang Dong-hyuk, criador da série Round 6, da Netflix, esperou por 13 anos! Ou seja, quando ele escreveu o projeto, a plataforma de streaming ainda tinha seu modelo de negócio baseado no aluguel de DVDs.

Essa espera não chega a ser uma grande novidade para mim, que precisa lidar com a ansiedade pelo feedback de projetos, mas, ouvindo essa história pensei: definitivamente para esperar e insistir por tanto tempo, é preciso ter muito amor pela profissão, muita paciência para saber que aquela semente plantada pode virar algo incrível.

Isso acabou me remetendo à história de uma obra muito mais antiga que as citadas anteriormente, da qual acabei me aprofundando de forma bem despretensiosa: O Sinfonia Amazônica.

Esse filme, foi nada menos que o primeiro desenho animado brasileiro em longa metragem. Ele é composto por sete histórias baseadas em lendas folclóricas da Floresta Amazônica, incluindo a sereia Iara, o Caipora e o Jabuti e a Onça.

A ideia de Sinfonia Amazônica partiu do diretor Anelio Latini Filho, que já havia desenhado para revistas em quadrinhos e participado de alguns curtas animados. Em 1947, ele encomendou um argumento com a temática ao professor e folclorista Joaquim Ribeiro e fez suas adaptações para que a história funcionasse na tela.

Anelio trabalhava de segunda a sábado, das 8 da manhã às 4 da madrugada do dia seguinte, desenhando os 500 mil desenhos que deram vida ao filme. O diretor também acumulou várias outras funções como a montagem, animação dos personagens, efeitos especiais e etc.

Sua equipe era literalmente sua família, já que seus irmãos também fizeram parte do projeto. Mário Latini, que já tinha experiência com audiovisual, ficou responsável pela fotografia, Elio ficou encarregado da trilha sonora, enquanto Wanda auxiliava no preenchimento dos desenhos. Todo o trabalho era feito na casa da própria família Latini, no bairro da Tijuca, no Rio de Janeiro, que foi inteiramente adaptada para servir de base para o estúdio, como o porão que servia de sala de projeção.

A estreia de Sinfonia Amazônica foi adiada algumas vezes, já que alguns problemas afetaram a produção como o desgaste físico de Anelio e a refação de parte do filme por conta de problemas com os direitos autorais das músicas selecionadas.

Inicialmente, a trilha sonora contaria com canções de Alberto Nepomuceno, Oscar Lorenzo Fernández, Antônio Carlos Gomes e diversos outros artistas brasileiros, porém o diretor encontrou resistência da família de alguns músicos que não queriam ceder as canções, burocracia com músicas que pertencem a gravadoras estrangeiras, além de preços salgados para o uso das canções, que esbarravam no orçamento do filme.

Por isso, Sinfonia Amazônica conta com apenas duas músicas brasileiras, porém feitas exclusivamente para o filme: Recordando uma Lenda e Chorinho Jabuti. As demais canções tocadas se tratam de músicas internacionais que já haviam caído em domínio público.

O filme levou cerca de 6 anos até que fosse concluído, porém algumas figuras ilustres puderam assistir a uma prévia do conteúdo antes de chegar aos cinemas. Em uma entrevista ao jornal Diário de Notícias em 28 de outubro de 1951, Anelio revelou que mostrou trechos do longa-metragem a ninguém menos que Walt Disney durante sua visita ao Brasil. Ele ainda contou que foi convidado a integrar a equipe do produtor, mas que havia recusado por ter vontade de se dedicar a produções nacionais.

Sinfonia Amazônica custou cerca de Cr$1.300.000,00, o que hoje, segundo correção pelo IGP-DI (FGV), seria aproximadamente R$1.707.162,27. A estreia nos cinemas veio em 1953, em preto e branco, e algum tempo depois foi considerado lançar uma versão colorida que até onde se sabe jamais foi lançada.

70 anos depois do lançamento de Sinfonia Amazônica, é nítido que o Brasil ainda encontra muitas dificuldades de emplacar longas de animação nacionais nos cinemas. Em especial após 4 anos de um governo orientado a destruir a nossa cultura.

Mas, fica de lição: Vale a pena esperar o tempo que for suficiente se for pra fazer história. E, em todos esses exemplos, seus autores conseguiram fazer história!