A simplicidade dos dias, as árvores na praça, o som das linhas férreas, as portas que batem, os sons da avenida, o cheiro dos corredores, são abordagens em Cesário Verde, por nós desapercebidas diariamente. Talvez, o automatismo da modernidade tenha nos roubado a maior parte dos pensamentos. Permitem que isso aconteça? E deixam, aos poucos, de refletir no que é de facto a vida? Entendo que é desgastante ter de sobreviver e ainda conseguir pensar em quem realmente somos e do que gostamos ao fim do dia, mas é essencial para a nossa existência observarmos as coisas de forma honesta.
Porque não temos tempo se somos nós quem definimos nossas prioridades?

Não precisamos ser poetas nem pensadores para sermos bons observadores e desfrutarmos da melhor forma aquilo que nos rodeia; basta sermos humanos. O que nos torna humanos é a racionalização das sensações. Uma das temáticas de Verde, eram as deambulações pela cidade; andava pelas ruas e as descrevia com profundidade, pintava com as palavras os detalhes do céu e a textura das edificações. Era um bom observador da realidade, de maneira extremamente sensorial e impressionista.

O sol dourava o céu. E a regateira,
Como vendera a sua fresca alface
E dera o ramo de hortelã que cheira,
Voltando-se, gritou-me, prazenteira:
«Não passa mais ninguém!... Se me ajudasse?!…»

(Cesário Verde, Num Bairro Moderno estrofe 66-70)

Neste excerto do poema “Num bairro moderno”, é nítida a presença do sujeito poético na ação. Transmite e descreve-nos de uma forma que é evidente a sua presença na ação. Apesar de parecer muito pessimista no que respeita a cidade de Lisboa, o poeta aborda várias temáticas atuais em toda a sua obra. Não é uma oportunidade para analisar a poesia mas, trazer a importância das temáticas de Cesário para a atualidade. O realismo da linguagem e a capacidade de observação que nos tem faltado e que o sujeito poético tinha de sobra, a crítica à artificialidade, que referi inicialmente, são pontos a ter em atenção para a sobrevivência da alma humana. Não basta viver no automático, é preciso mais que isso para ser-se inteiro. Tenho ciência de que a maior parte de nós apenas sobrevive, não conseguimos se quer preocuparmo-nos com algo a mais.

Devo confessar que falo no tempo ainda sem saber como e por onde se esvai. Portanto, este é um exercício mental conjunto e não de alguém que vos quer ensinar. Fizemos o horário e os dias da semana para ajudar-nos e hoje amaldiçoamos a segunda-feira. Ser-se humano é coisa de loucos, contradizemo-nos em regras que criamos, esta questão do tempo por exemplo, e acabamos por deixar de viver, ainda vivos.

O conceito de “la vita lenta”, filosofia de vida baseada em viver cada dia calmamente, só cabe em cenários paisagísticos que transmitem tranquilidade; uma casa à beira mar na Grécia, uma mesa de madeira com um vaso de flores vivas; não conseguimos ter a sensação de paz quando observamos uma avenida cheia de carros, fábricas têxteis e o cheiro a fumo. Está aí o equilíbrio, só desfrutamos de algo porque sentimos o seu oposto.

Com tudo isto quero acreditar, sem sabotar-me(vos) através da extrema positividade, que é possível desfrutar também da vida turbulenta da cidade através do regozijo de estar um dia no campo ou vice-versa. Pode ser uma alternativa à idealização da felicidade perante uma realidade em que a ansiedade e a depressão imperam como doenças do século. Temos saudade do passado e almejamos o futuro e é uma trivialidade dizê-lo, mas, quase que em uníssono, não vivemos o presente como gostaríamos.

Convido-vos não para que pensemos da mesa forma, obviamente, mas para tentar encontrar nestas palavras uma luz através das sensações e daquilo que nos rodeia; algo negativo e positivo, o equilíbrio. Que seja para fomentar a visualização das coisas de forma intensa e realista, fazer uma ponte entre as temáticas de Cesário e na forma como observamos a vida. Não existe uma observação correta; a beleza está na ambiguidade das consequências das nossas escolhas e nas linhas que se cruzam no percurso da vida.