A invenção de Hugo é um filme dirigido por Martin Scorsese. Trata-se de um filme que tem entrado nas casas das pessoas através do pequeno écran, mas será que o filme entrou nelas? Fez questionar os seus desconcertos? Iluminou as suas almas?

Para além de o realizador fazer uma homenagem à arte em que se tornou mestre, através da figura ímpar de George Méliès (interpretado por Ben Kingsley), precursor dos efeitos especiais e da fantasia no cinema; o filme vive na cidade da luz: Paris. Todavia, habita uma morada que é por si só um espaço tópico, isto é, transformador para as muitas e desvairadas gentes que por lá passam, viajam e se enamoram: uma estação de comboios. Hugo Cabret (Asa Butterfield) é um órfão de 12 anos que vive escondido na estação entre labirintos de passagens secretas e os múltiplos relógios deste lugar mágico.

De facto, Hugo é um filme mágico e faz o espectador iniciar-se na magia das descobertas e do “fazer funcionar”, quer das coisas enquanto objetos, quer enquanto acontecimentos! O anonimato, o oculto e o invisível são ingredientes básicos para a magia que vai fazer funcionar um raríssimo autómato. Um autómato que, segundo Hugo, irá servir de mediador entre si próprio e seu pai, já falecido. Este autómato simbólico, escrevente, remete para o poeta Paul Valéry, que apontava para o facto de os escritores serem apenas médiuns… a mão escreve… é mediadora de algo que transcende o próprio escritor.

É como se este autómato, que Hugo não inventa, mas faz funcionar, conseguisse por si só fazer encaixar todas as peças do puzzle que o filme vai revelando num processo de janelas de aprendizagem em que as diversas personagens servem de espelho, confronto e reflexão umas às outras, provocando no espectador um desejo de aprofundar o tema: “O que é consertar pessoas?” “Será que as pessoas têm conserto, como as coisas?” O verbo “Querer” é muito importante! Se quisermos ser consertados, seremos... mas muitas vezes o orgulho, o medo e até o preconceito impedem-nos de evoluir, de ganharmos uma revolução de consciência, de nos libertarmos do nosso antigo “Eu”! Para isso, muito contribuem os lugares tópicos como uma estação de comboios, onde nos cruzamos com todo o tipo de pessoas; isto é, com todo o tipo de janelas espelho e janelas de aprendizagem... onde nos cruzamos com o Passado, com o Presente e com o Futuro! Donde vimos, o que fazemos... para onde vamos? O Sonho deve ser o nosso Norte!

Nesta película, o tempo é marcado por enormes ponteiros, diversos relógios e compassos, revelando-se aliado das personagens; informando-nos a cada passo como a espera, a demora nas coisas, a paciência, podem ser fortes aliados, cúmplices de um “Final Feliz”. Temos, deste modo, a noção de um Tempo como um Mo(Nu)mento; um Tempo psicológico em que o mais importante é o Verbo Sentir; emocionar-se diante da Memória, abrindo-a em leques de partilha comunicantes e com os olhos postos no Futuro com confiança na generosidade do Humano, ao qual todos pertencemos.

Entremos em 2024 com este entusiasmo! Com o relógio da imaginação que nos faz descobrir um outro espaço-tempo; com um sorriso feiticeiro que dê a alguém uma noite feliz! Entremos pela Porta do Sonho e a Vida vai acontecer! Hugo é um filme pedagógico, pois demonstra como a capacidade de ver implica a capacidade de transformar; apela à libertação do lado onírico e romântico do Humano, devolvendo a paixão pelo cinema ao lendário George Méliès. Hugo: uma declaração de amor à sétima arte! As janelas de aprendizagem proporcionadas pelas diversas personagens do filme tornam-se espelhos que refletem questões essenciais: "O que é consertar pessoas?" e "Será que as pessoas têm conserto, assim como as coisas?".