Em um quadrante de um celeiro, havia vários animais. Um desses animais, a galinha era a mais-do-que convicta de que ali era seu próprio império. Mas eis que se aproximava da hora do seu incômodo latente e diário: a presença de outras aves que não faziam parte daquele celeiro, ou melhor se referindo, do império dela.

Tratava-se de várias espécies que não faziam parte do celeiro, mas vez ou outra apareciam por livre e espontânea necessidade de pousarem no celeiro, para contemplação estética e despertar nos outros animais uma certa inveja.

A galinha imperial olhava de lado, a única forma que ela corriqueiramente via os outros animais – com desdém. Dessa vez, prontificou-se a olhar um pardal, aparentemente manso de vista – ela nele só via pequenez, cores não tão significantes e detalhes pouco importantes. Enfim, uma pequena vida marrom. A galinha pensava ser maior em altura que ele e talvez mais robusta, mesmo que ela fosse provavelmente menos ágil. “Ser maior”, para essa galinha, era ser bem mais-do-que o pardal – uma forma de vida superior, meramente pela altura e pela estrutura corporal.

Distante da dimensão singular da galinha, o pardal naquele galho tinha tudo no inho. Pezinhos que saltitavam em míseros pulinhos, fazendo um sonzinho minimamente pouco ouvido. O som que emanava pelas suas pequeninas cordazinhas vocais, era um piadinho que saía timidamente pelo biquinho, fazendo um barulhinho quase como um “chirip”. Aquele pardal tinha consigo também pequenuxas asinhas marronzinhas. A galinha era só uma galinha com semblante autoritário, e se gabava de sua pelagem branca como neve.

A majestosa galinha branca via esses aspectos no pardal, mas não se sentia ave como ele. A galinha se via como um ser comum, e que sabia de todo seu potencial limitado às condições biológicas que as fazia ser semelhante àquele pardal: colocar ovos e ter bico, olhos, pés com três dedos e um corpo coberto por penas.

Ao mesmo tempo, aquela galinha se perguntava: o que eu tenho que ele não tem? Ela estava possuída por tremenda inveja, que infelizmente a consumia, naquele instante, por baixo de suas penas brancas. Em primeiro lugar, aquela galinha questionava-se sobre o tamanho do pardal em comparação ao dela. A galinha procurava respostas, mas não conseguia achá-las.

Eis que o celeiro inteiro ouviu o barulho de pólvora, em um soar de bala – todos os animais fugiram, inclusive os que tinham acabado de pousar. O pardal marronzinho voou, e a galinha desesperada por sua vida não perder, entrou dentro do celeiro perplexa com o que tinha acabado de acontecer.

Contudo, ela percebeu que tinha perdido de vista o pardalzinho. “Ele talvez tenha ido para algum lugar que não irei”, pensava ela sozinha. Já ela, limitava-se a correr pelo celeiro para salvar sua vida, pois as possibilidades de caminhos para ela se esconder são limitadas – ali ela compreendeu um outro ponto: o pardal é livre, e ela não.

E essa liberdade de pássaro não era por ele ter asas — era a capacidade de, com elas, alçar voo. “Já a liberdade de um ser humano…” – pensava a galinha, “é não pensar como as massas”. A da galinha nem ela sabia.

Quem me dera ser um pássaro, dizia a galinha olhando para o chão, sua ardil condição.
Para quê?, o pardal aprochegando-se à porta do celeiro, prontamente a respondeu.
Para me libertar!, dizia a galinha quase que clamando.
Voar pesa o peito.
E para mim não voar pesa o peso de virar quilos de peso.
Imagino… mas, você sabia que voar me traz medo?, o pardal insistia a ideia.
Deve trazer, mas a ideia de voar me traz desejo, a galinha rebatia insistindo o desejo.
Se você soubesse o quanto pesa tudo isso, saberia o motivo pelo qual voar me dá receio, o pardal confessou.
Pode até te dar receio, mas voar continua sendo o meu maior anseio, a galinha professou e virou o rosto.

O pardal, já entendendo ali que não poderia falar de riscos, desistiu e voou, deixando a galinha para trás, que no chão ficou.