"Quem são as pessoas reais? Os coloridos ou os das notícias?" pergunta a pequena Maria à mãe, muito antes de saber o que era sequer uma escola.

"Os das notícias," uma resposta é dada, insólita e inocente, mas com consequências. Pois a terrível realidade se impõe na mente daquela pequena sonhadora.

Maria acredita que os desenhos azuis e falantes podem, de fato, aparecer um dia em casa; acredita também que as lagartas podem, sem dúvida, falar e contar histórias para embalar. E que os porquinhos são amigos verdadeiros e não são servidos assados no prato.

Maria, que um dia ganhará a ruga da felicidade, encara agora o vinco na testa da mais verdadeira realidade. Afinal, nada é verdade, pensou tristemente. Afinal, o céu não é de um azul assim tão limpo, e o verde não está por todo lado; as casas não têm aspectos engraçados e cheios de linhas tortas, mas sim retas e muito semelhantes.

Assim, "os seres das notícias" ganham outra dimensão na cabeça daquela menina. Sérios, efetivamente mais parecidos com as pessoas da rua, com a família, com os amigos da pré-escola. Em carne e osso, já não têm a mesma graça. Talvez sejam formatados, pensa a pequena Maria, moldados numa sociedade que os criou... e os animados, coloridos, de diferentes tamanhos e, por vezes, com patas no lugar das nossas conhecidas mãos, esses moldam o crescimento da pequena criança.

Afinal, o crescimento inclui moldes, educações, hábitos e culturas diferentes. As formas de pensar também ganham outras dimensões, e a memória de cada um coloca expectativas em histórias incríveis. E os livros que nos contam histórias lindas, coloridas, com frases simples, já não são mais engraçados. Afinal, são histórias, e não a vida da pequena Maria.

As criaturas animadas não deixam, por isso, de existir, não deixam, por isso, de viver histórias incríveis do outro lado do papel, do outro lado da tela. Não deixa, por isso, de ser difícil quando a imaginação é cortada; perdoa-se, mas não se esquece.

As pequenas pessoas animadas, criaturas e amigas das crianças, desfalecem com o tempo, mas a memória, essa capacidade astuta, guarda na lembrança o brilho da esperança de um mundo pacífico, afinal, quem não quer ser uma criança para sempre?

No fundo, é preciso cuidado ao ultrapassar a barreira da fantasia para a realidade na cabeça dos mais novos; devem ser eles a decidir quebrar a linha, mas também devem conseguir fazê-lo de verdade. Mas nunca quebrar a criatividade que os move. Assim, o Pai Natal só pode deixar de existir quando estivermos crescidos, e a fada dos dentes existe, sim, para pequenas crianças com medo de tirar dentes de leite, e a magia é algo que se aprende em Hogwarts. Podemos sempre aguardar pacientemente uma carta; nunca se sabe. Só assim a pequena imaginação não será cortada.

A ideia é dizer que sim, mas esperar que seja uma mente forte e capaz de fazer a separação um dia.

E a criança sorri. Maria sorri.

"E se fôssemos coloridos?" continua Maria. "Será que seríamos mais animados? Criativos?"

A vida é encarada de forma tão séria que Maria só quer continuar a acreditar no boneco de lápis de cor, no mundo com flores que mexem e falam e onde o sol sorri todas as manhãs.

As pessoas divertidas, animadas, diferentes, cultas, prestáveis e prontas a fazer palhaçada o dia todo não são as reais. Mas podem ser na mente de uma criança.

E as reais, as duras e cruas, prontas a explanar o bem mas também o mal, a apontar os nossos erros e, claro, as nossas diferenças, serão com quem conviveremos.

Na inocência vive a criatividade. No irreal, na fantasia, na brincadeira.

"E se nós fôssemos os coloridos? E disséssemos coisas clichês, mas vivêssemos em harmonia? Onde até o vilão consegue ser o bom samaritano das cidades animadas."

E a pequena Maria, um dia, faz a separação.

E a vida muda; os desenhos animados passam a ser apenas bonecos, deixando de fazer parte da realidade daquela criança.

E ela vai crescendo, conhecendo o mundo à sua volta e, de uma maneira ou de outra, encarando um país e um planeta que não são nada parecidos com o que sonhava enquanto criança.

Sistemas educacionais que bloqueiam o pensamento, outros que exigem a arte de pensar. E quem deseja criar não consegue pensar, talvez porque a imaginação seja cortada cedo demais.

E Maria cresce.