Estar sempre preocupado com o lugar que deve ocupar na sociedade, na família, enfim, nos sistemas, é uma constante na vida do ser humano. Quando as crianças nascem, entre afagos e atos amorosos, o que as famílias pensam e discutem gira em torno de imaginar como elas, as crianças, vão atingir o caminho do sucesso. Nos Estados Unidos, por exemplo, é comum entre famílias abastadas se colocar essa questão desde o jardim de infância, que deve ser preferido e escolhido em função dos colegas e amigos de famílias socialmente bem sucedidas. O pensamento dominante é o de que conviver seletivamente com o que aponta para o sucesso é, desde cedo na vida, pavimentar bons caminhos.

A ideia do depois, do futuro implica sempre em abandono do presente. As superposições são esmagadoras. Viver voltado para o futuro, para metas a atingir, estabelece submundos, mundos dentro do mundo. Mesmo que dirigidos para opulência e fartura, são submundos, aquém do que existe, do evidente e real.

Sempre que há prevalência ou importância do status surgem reduções dimensionais, orientando, mantendo a atenção e os desejos voltados para o depois, e assim o indivíduo perde o presente, a vivência do que acontece enquanto acontece, pois tudo é selecionado para o futuro. O cotidiano perde consistência, deixa de apontar possibilidades ou impedir dificuldades, e então, ser apto ou ser capaz de dançar e cantar, por exemplo, nada significa quando o objetivo é ser um grande físico nuclear; tanto quanto gostar de problemas de matemática, querer entender números é impedido quando a preocupação é a de continuar a carreira artística da família. É muito comum desvalorizar vivências consideradas inconsequentes e diletantes no dia a dia porque todo o esforço está voltado para objetivos a alcançar, para demandas familiares e sociais a atender.

O que polariza – o destino comum de tudo que se faz – é sempre redutor de possibilidades. O propósito de ser igual ou diferente do pai ou da mãe anula possibilidades individuais, pois já estabelece parâmetros. Ser igual, ser diferente, quando se é igual ou diferente, é sempre em relação a outro termo, outro indivíduo, outra situação que não a própria. É a descoberta invasiva, muitas vezes redentora, outras, esmagadora, mas sempre diferente.

Não ter objetivos, não ter propósitos pode ser uma atitude aniquiladora de realizações e sucesso, mas também é sempre realizadora de possibilidades de acesso, desde que permite descobertas.

As comparações desaguam nos valores. Positivos ou negativos, preenchidos aleatoriamente, os valores são responsáveis por escalas do que é considerado superior e/ou inferior. Quantificar realizações ou possibilidades humanas gera mecanismos redutores que acabam com a espontaneidade, a disponibilidade, o desprendimento. Cria-se o positivo, o útil, o necessário. E assim, tudo é reduzido a valores. Esse universo é estabelecido quando se busca ocupar o melhor lugar, quando o melhor lugar não é uma mera decorrência, mas uma meta, uma luta, que necessariamente implica no uso do outro, no oportunismo, na falta de solidariedade. Nesse contexto, tudo o que é conquistado passa a configurar e abastecer os relacionamentos familiares e sociais. Preencher funções, ser o melhor é o que interessa. Desse modo não existe mais o ser humano, existe o realizador, o exemplificador do que foi aprimorado e conseguido, massa de manobra valorizada pelo que rende e consegue.

Todas esses características, propósitos, manipulações e circunstâncias se constituem no tijolo, na argamassa construtora de nossos sistemas desumanizados. Vive-se para o depois ou para o antes como motivações fundamentais. O flutuar no presente, não pisar no chão, impede continuidade e questionamento, se é dirigido para o bem ou para o mal, independente das próprias motivações, guiado apenas pelas avaliações de resultados.