Dia 13 de dezembro de 2016, uma manhã de céu encoberto e bastante abafado no Rio de Janeiro onde eu me desloco para o aeroporto de Jacaepaguá visando fazer o último vôo de monitoramento ambiental aéreo denominado Olho Verde.

Sobrevoando a região metropolitana do Rio de Janeiro desde 1997, tenho acompanhado de forma privilegiada e angustiada, a destruição ambiental da cidade que se notabilizou no mundo inteiro como maravilhosa.

Lembro sempre que as autoridades brasileiras quando assumiram em 2009 a responsabilidade de sediar os jogos Olímpicos de 2016, afirmaram, se comprometeram com uma série de ações, dentre as quais, ações de recuperação ambiental principalmente na baía de Guanabara como no Sistema Lagunar da baixada de Jacarepaguá, principais áreas olímpicas.

Pessoalmente trabalhando em ambas as áreas desde o final do século passado, acreditei que pelo menos dessa vez, devido aos compromissos assumidos diante de todo o mundo e pela presença maciça da mídia internacional, que as autoridades brasileiras iriam dessa única vez cumprir com seus compromissos. Eu estava errado!

O vôo inicia e a constatação é dramática no Sistema Lagunar de Jacarepaguá, sistema de cinco lagunas, transformado numa imensa latrina e depósito de sedimentos e lixo na área que mais cresce na cidade. O crescimento urbano desordenado notabilizado pela multiplicação e crescimento das favelas, fruto da ausência de políticas públicas permanentes e eficientes na área de habitação se espalha como uma metástase no tecido urbano-ambiental da região. Claramente para o poder público não interessa controlar esse crescimento pois no meu entendimento, esse processo é uma máquina inesgotável na produção de votos, votos que garantirão a permanência dos mesmos grupos políticos no controle da cidade. Por outro lado a ausência de saneamento universalizado no que diz respeito a coleta e ao tratamento do esgoto produzido tanto pela urbanização ordenada como pela desordenada é uma grande máquina de fazer dinheiro para a estatal que monopoliza boa parte desses serviços na cidade, pois independente de prestar ou não o serviço de tratamento do esgoto, o mesmo é cobrado junto ao serviço de fornecimento de água. Um grande estelionato oficial que rende milhões de reais sem qualquer esforço à máquina pública com um custo inestimável ao ambiente da cidade.

Em resumo, lagoas completamente podres por esgoto e assoreadas por milhões de metros cúbicos de lama e lixo trazidos dos rios que em sua totalidade também estão todos mortos.

Adicione-se à esse quadro ambientalmente desesperador a resposta da Natureza por meio da proliferação de cianobactérias tóxicas que contaminam toda a vida nativa que resiste nas lagoas bem como o escoamento de todas as águas contaminadas, a cada maré baixa, em direção à praia da Barra, transformando trechos da praia em áreas não indicadas para o banho.

Destaco que todo esse quadro ambientalmente terminal acontece justamente na área que abrigou o parque e a vila olímpica em 2016.

Rumando para a baía de Guanabara, observo o lançamento de esgoto in natura bem como uma enorme quantidade de lixo de todo o tipo proveniente da favela da Rocinha no costão da avenida Niemayer. Problema que se arrasta há décadas, dezenas de milhões de reais foram utilizados pelas autoridades tentando resolver esse problema mas que infelizmente por completa falta de compromisso técnico, o problema continua existindo e contaminando a praia oceânica de São Conrado onde frequentemente jovens praticam esportes aquáticos mergulhados no lixo e no esgoto. Apesar das dezenas de denúncias públicas, o problema persiste e ninguém é punido.

Finalmente chegando a baía de Guanabara, o quadro em praticamente nada mudou quando comparado com 2009, ano que a cidade foi indicada para sediar os jogos.

Apesar da instalação de um sistema de ecobarreiras em diversos rios que chegam a baía trazendo milhares de toneladas de lixo e milhares de metros cúbicos de esgoto, grande quantidade de resíduos continuam tomando conta de manguezais, praias, costões e o espelho dágua.

Quadro bem sintomático da cultura que norteia a relação da sociedade e do poder público com os recursos naturais da baía é aquele que eu destaco na recém recuperada área portuária da cidade. Abandonada há décadas, a área portuária sofreu um espetacular resgate urbano-paisagístico onde a soma de interesses particulares da cúpula política da cidade e de poderosas empresas de construção simplesmente transformaram aquele espaço tornando-o uma nova e importante área de lazer da cidade. No entanto quando observamos o item ambiental, mais uma vez percebe-se facilmente que o assunto ficou esquecido em algum canto sem importância.

Do alto identifica-se o lançamento generalizado de esgoto em toda a extensão do porto recém urbanizado e especialmente ao lado do imponente e novo museu do Amanhã onde esgoto e lixo normalmente acabam criando um paradoxo entre o urbano recuperado e o ambiente que continua esquecido.

Da mesma forma que no sistema lagunar, nossa primeira área sobrevoada, a maior parte da bacia hidrográfica da baía de Guanabara está morta pelos mesmos motivos associados ao crescimento urbano desordenado e a falta da universalização do saneamento, onde as consequências do que eu chamo de terrorismo ambiental de estado acabam sempre sendo as mesmas, isto é, perda de qualidade ambiental e de vida da população com agravamento principalmente de problemas de saúde pública, estes também negligenciados pelas autoridades. O vôo vai terminando após pouco mais de duas horas e um cansaço enorme mais uma vez toma conta de meu corpo e de minha alma que vêem a cidade onde eu nasci sendo destruída por uma mistura cultural de apatia social e delinquência governamental que se alimentam num espiral viciosa sem fim.

Volto para frente do computador onde espalho as imagens que obtive do vôo como tenho feito nos últimos vinte anos com a amarga certeza que no Brasil, o mal ambiental compensa e que a minha cidade perdeu a grande oportunidade para reverter os dois mais importantes passivos ambientais da região metropolitana do Rio de Janeiro. Infelizmente, para que isso tivese acontecido, precisaríamos de autoridades sérias, coisa que no Brasil praticamente não existe.

Feliz ano velho!