Confesso que tenho a terrível mania de escutar a conversa dos outros. Há alguns dias, estava em uma festa e não pude evitar ouvir o diálogo de duas mulheres por mim desconhecidas. Elas pareciam próximas, uma senhora já avó, a outra na casa dos 30 ou 40 anos. Com certa aflição, a mais jovem contava que havia deixado de trabalhar para cuidar de seus dois meninos: gêmeos. Pelo que pude escutar, as crianças necessitavam de apoio constante para lidar com as tarefas escolares, além de diversas consultas com médicos e terapeutas, atividades que não podiam ser realizadas por cuidadoras terceirizadas. Seria complicado conciliar as atividades profissionais com as maternas, fato que levou essa mãe a deixar de trabalhar no mercado formal, passando a se dedicar exclusivamente ao labor materno e doméstico.

Sem saber ao certo do que se tratava, o aspecto que mais me chamou a atenção foi o modo como essa mãe se expressava: parecia se justificar para a senhora, como se necessitasse da aprovação desta. Sentindo compaixão dessa mulher, me identifiquei imediatamente com a situação. Afinal, eu mesma já havia passado por situações como essa, onde comentava minhas decisões de carreira versus maternidade, justificando o porquê de minhas decisões.

Certa vez, pedi demissão do que parecia o emprego dos meus sonhos: atuar como professora e pesquisadora em uma conceituada universidade. Depois de algum tempo, já integrada e realizando o cotidiano laboral conforme o esperado, percebi que a balança entre família e trabalho estava pendendo para o lado equivocado (de acordo com os meus valores atuais). Meu tempo e minha energia iam para as demandas laborais, sobravam apenas o suficiente para o beijo de boa noite nas crianças e os cacos do corpo e mente cansados que se jogavam na cama sem nem energia necessária para agradecer pelo dia que estava terminando. Para alguém que pesquisava algo relacionado à satisfação com o trabalho e burnout era difícil aceitar o quebra-cabeça que estava montado: tentei negociar, mas a inviabilidade de melhores condições laborais me levaram a optar pelo bem-estar pessoal e familiar. Surpreendidos, a diretora tentou convencer-me que o trabalho era a minha única condição de independência, minha fonte de liberdade frente às amarras do matrimônio.

Em um espiral de pensamentos rápidos e um pouco furiosos, escutando aquelas duas desconhecidas e recordando de minha experiência, percebi que muitas de nós, mulheres, temos que nos justificar a quem quer que seja constantemente: ora pela roupa que ocupamos, ou qualquer outro motivo fútil; ora pelas decisões de carreira e de vida pessoal, ou as demais ações que elegemos ao longo de nossas vidas. Nossas escolhas, além de se encaixarem nos padrões dos grupos com os quais nos identificamos ou integramos, necessitam estar de acordo com o determinado pelo coletivo virtual.

Em prol da defesa de nossos direitos, às vezes, tenho a impressão de que nos colocaram mais amarras. Como mulheres devemos estar bem arrumadas, mas não muito para não chamar muita atenção; parto tem que ser normal, sob as penas de quem necessitar de parto cesárea se sentir incapaz como mulher e mãe; devemos trabalhar fora, aportando financeiramente para a família e garantindo a própria independência e devemos ser mãe presente que cuida e participa da vida de nossos filhos educando-os para a vida em sociedade. Sabemos que essa situação e tantas outras são muitas vezes realizadas sob a pressão indireta dos grupos com os quais nos relacionamos. A necessidade de se encaixar nos padrões do grupo interfere, de uma ou outra maneira, em nossas decisões, em nossa autoestima, na construção da nossa visão sobre quem somos. Essas amarras, dentre tantas outras aqui não elencadas, parecem pedir que nossos esforços cheguem perto da perfeição. No entanto, como bem sabemos, perfeição não existe.

Possivelmente, a necessidade de se justificar aos demais, sejam esses mulheres ou não, nos acompanhe desde crianças. Talvez tenha sido um mecanismo para nos desculpar pela falta de perfeição. Fomos nos construindo com bases na ideia de que para ser aceita era necessário agir como o estabelecido, ser agradável e dizer não sorrindo. Às vezes tenho a sensação de que vivemos um tempo no qual todas nós, mulheres, vivemos tentando atingir os ideais a nós impostos.

Mas, sabe quê? Não precisamos atingir os ideais coletivos. Penso que a igualdade de papéis que deveríamos buscar seria aquela que nos permitisse ser quem somos a cada fase de nossas vidas. Tudo bem optar pela maternidade versus a carreira profissional se a nossa condição de vida assim o permite ou assim o exige. Tudo bem também trabalhar e conciliar a vida familiar com a laboral. Tudo bem decidir não formar uma família. O que mais desejo hoje em dia, para nós mulheres, é o direito de eleger de fato o que desejamos ser. Que possamos decidir e orgulhar-nos de nossas escolhas, esquecendo tal necessidade de justificar-se constantemente, de provar aos demais que podemos. Afinal, sim, nós podemos.