Os desfiles recentes da Paris Fashion Week me trouxeram um olhar interessante a respeito das fronteiras entre a moda e a imaginação e como isso pode sair do mundo das ideias e se tornar palpável, real.

A moda é uma forma de arte e expressão que transcende fronteiras e desafia constantemente as convenções estéticas. Entre as tendências e movimentos que marcam a indústria da moda, o surrealismo emerge como uma forma de arte viva e pulsante. Inspirado pelo movimento artístico surrealista que surgiu na década de 1920, a moda surrealista ousa quebrar barreiras e criar um diálogo intrigante entre o mundo real e o imaginário.

No entanto, para compreender a moda surrealista, é fundamental primeiro examinar as raízes do movimento artístico que o inspirou. O surrealismo, liderado por figuras como Salvador Dalí, René Magritte e André Breton, buscava explorar o mundo do inconsciente, dos sonhos e das várias camadas da psicologia humana. O movimento enfatizava o absurdo, o irracional e o ilógico, rompendo com as noções tradicionais de realidade e racionalidade.

Na pintura, escultura e literatura surrealistas, elementos como a metamorfose, o deslocamento de objetos do seu contexto usual e a combinação de imagens aparentemente contraditórias eram comuns. Esses conceitos do movimento surrealista foram posteriormente adotados e reinterpretados pelos designers de moda, criando uma interseção única entre a arte visual e a moda, que também pode ser arte.

Na moda, o surrealismo se destaca por sua capacidade de desafiar convenções e subverter expectativas. Os designers que abraçam essa estética muitas vezes criam peças que transcendem as barreiras da lógica, da funcionalidade e até mesmo apresentam designs impossíveis de serem vestidos. Em vez de aderir estritamente à forma e função tradicionais das roupas, eles buscam criar experiências visuais e emocionais marcantes.

Um exemplo notável de moda surrealista é o trabalho do estilista britânico Alexander McQueen. Suas coleções frequentemente apresentam elementos surreais, como roupas que parecem derreter, máscaras de gás adornadas com penas de pavão e peças que desafiam a gravidade. Em seus desfiles de moda, McQueen buscava transportar o público para um mundo de sonhos e pesadelos, desafiando as noções convencionais de beleza e moda e, embora existam outras escolas além do surrealismo, o mundo do impossível era frequentemente parte de suas apresentações.

Na PFW, a marca Undercover desfilou em sua passarela vestidos terrário, onde borboletas vivas (que foram soltas após o desfile) também davam o seu show. Um desfile que, na verdade, foi poesia. Mostrando mais uma vez como o surreal vai além, quando a moda também faz parte.

É também interessante apontar como a estética surrealista na moda pode ser caracterizada por uma série de elementos distintivos que, por vezes, não são tão óbvios:

  1. Metamorfose e Transformação: Roupas que parecem mudar de forma ou se transformar ao longo do corpo do usuário, desafiando a estabilidade das formas tradicionais.

  2. Ilusões Óticas: Estampas e padrões que brincam com a percepção visual, criando ilusões de ótica que confundem e intrigam o espectador.

  3. Combinação Inusitada de Elementos: A fusão de elementos aparentemente desconexos, como materiais contrastantes, formas divergentes e detalhes inesperados.

  4. Elementos Surrealistas Reconhecíveis: A incorporação de elementos icônicos do surrealismo, como relógios derretendo, olhos flutuantes e objetos aparentemente fora de contexto.

  5. Uso de Materiais Incomuns: A escolha de materiais não convencionais que desafiam as normas da indústria da moda, como plástico, metal e materiais reciclados ou mesmo, borboletas!

Mas, a moda surrealista não é apenas sobre criar roupas incomuns; é sobre desafiar expectativas e questionar a realidade. Ela convida os espectadores a explorar o inconsciente, a considerar o papel do absurdo na estética e a repensar as esferas convencionais.

Essa abordagem provocativa da moda tem o poder de instigar conversas e reflexões sobre o papel da moda na cultura contemporânea. Ela nos lembra que a moda é uma forma de expressão artística e que a beleza pode ser encontrada na subversão daquilo que é aguardado.

Embora essa categoria da moda seja frequentemente associada a desfiles de moda e criações de alta-costura, sua influência vai além das passarelas. Muitos elementos da estética surrealista podem ser encontrados em roupas de prêt-à-porter, acessórios e até mesmo na moda de rua.

O poder da moda surrealista é sua capacidade de inspirar a criatividade e encorajar a experimentação. Mesmo que uma pessoa não use roupas altamente surreais no dia a dia, a estética surrealista pode influenciar a maneira como ela escolhe combinar essas roupas, acessórios e até mesmo maquiagem.

Em síntese, a moda surrealista é uma celebração do extraordinário, do ilógico e do imaginário. Ela desafia as convenções e convida as pessoas a explorar o mundo do absurdo com um olhar fresco e curioso. À medida que os designers de moda continuam a abraçar essa estética única, podemos esperar que a moda surrealista continue a inspirar e intrigar, provando mais uma vez que essa indústria é muito mais do que vestuário: é uma forma de arte em constante evolução.