Desde que o mundo é mundo, e a partir da consciência humana, há uma espécie de revelação dos movimentos. Seja como forma de agradecimento, seja como ritual, linguagem para os Deuses, expressão da alma, sintonia com o universo ou uma forma de resposta cultural nas diversas comunidades, a dança faz parte do ser humano. A dança, bailado, é a resposta de uma consciência coletiva e social. O bailar é fruto da imaginação coletiva. Talvez, o mais intrigante seja que o som produza formas de suportar as incertezas da vida e transcender a certeza da morte. Digamos que a dança é a expressão humana que faz ponte entre o cotidiano social com imaginário coletivo. Por sua vez, o ritmo pode oferecer sensualidade, força, questão social, medo entre outras manifestações da comunicação humana. A dança é uma linguagem dinâmica para enfrentar as relações de poder com os mistérios divino. Por isso, já dizia o folclorista Mário Souto Maior, desconfie do lugar que ninguém dança. Espelho de um reflexo social, a dança revelada pelo filósofo Luciano Samósata é o movimento do universo: “Se as estrelas celestes se movimentam, o corpo se movimenta, porque o corpo é reflexo de uma harmonia universal.” Para o músico Delfín Colomé em seu livro 'El indiscreto encanto de la danza', a dança é uma “transigência essencial”. Há de se considerar que a dança hoje para muitas crianças significa o aplicativo Tik Tok, ou seja, complexa, rápida, eufórica. Difícil de decifrar, porque sempre queremos encontrar vestígios de semelhança entre uma dança a outra. A pesquisadora Ibis Albizu aponta para uma teoria da dança como a outra linguagem da natureza.

Então, encontramos no nordeste do Brasil uma dança interessante que é a fotografia em movimento do Cangaço. Se a cultura é a realização do homem é na dança que o homem revela sua contestação com o mundo. Dança dramática documentada pelo pesquisador Petrônio Lorena: Alpercata de Rabicho, o Xaxado pernambucano, em 1999, exibiu com sensibilidade o xaxado como parte do reino do cangaço. Bailado de passos decisivos, marcada pelo cenário da seca, da caatinga, chão quente carregado pela pisada do sertão, o Xaxado é a flor do mandacaru do sertão do Pajeú e Moxotó sendo considerado Patrimônio cultural e Imaterial de Pernambuco. Então, como surgiu o Xaxado? Pela capacidade de imaginação dos cangaceiros, que também eram agricultores e transformaram seus dias de angustia, e de fuga em fuga, em motivo para diversão e afronta por volta de 1920 em Vila Bela atual cidade de Serra Talhada em Pernambuco. Do verbo sanchar ou xaxar o feijão, nascia uma oportunidade de mostrar ao próprio bando como se dança no cangaço, armado, com gritos e pisando forte no chão, levantando poeira, numa espontânea odisseia de combate. Sem indumentária não existe a dança do Xaxado. É necessário alpercata de rabicho (a famosa sandália xô boi vendida nas feiras livres e mercados do nordeste), roupas de tecido brim grosso azul ou na cor marrom (caqui), meiões, cabaça, cartucheira, chapéu de couro, bornal adornados e enfeitados (pelos símbolos, flor de Lis, cruz de malta, flores, estrela de Salomão), lenço de seda no pescoço, e o rifle. Era uma dança exclusivamente masculina, mas se tornou também feminina pela representatividade de Maria Bonita e das demais cangaceiras do bando.

O pesquisador e escritor Anildomá Willians vem construindo uma forte ligação com o Xaxado para que esta revolucionária dança não desapareça. Criador do Museu do Cangaço e da associação Cabras de Lampião, Anildomá diz que o Xaxado é a grande referência do Cangaço e do sertão. Também pudera, é filho de Serra Talhada assim como Lampião.

Existe bem próximo de Serra Talhada, lá em Poço José de Moura na Paraíba, a associação Pisada do Sertão que evidencia o Xaxado ensinando as crianças como se dança no sertão. Cá pra nós, eita, dança bonita arretada! Numa mistura de ritual indígena com balé russo, danças ibéricas e na imitação de um combate, o xaxado é genuinamente pernambucano. É de arrepiar!
A professora, filósofa dançarina Natacha Muriel destaca “o aspecto relacional do trabalho corporal nessas danças e lutas revelando improvisação que se estrutura em duetos e que é reencenada como forma de provocação e resistência cultural.”
Ou seja, o Xaxado é reencenado para manter viva a saga de Lampião no Cangaço no rastro de memória dos nordestino.

Há quem diga que o Xaxado também vem do xa, xa, do chiado das sandálias na batida do chão, e não podemos deixar de dizer que o chiado da cobra cascavel pode ter ajudado a conduzir o referido bailado. Mas, é na batida do rifle no chão e aos gritos que a dança mostra sua potencialidade. Dançado aos pares, formando círculos, filas indianas, o Xaxado é acompanhado pela zabumba, pífano, sanfona e triângulo.
Hoje em dia os grupos tentam reencenar a saga de Lampião nas apresentações do Xaxado. Assim, essa incrível dança pertencente a uma comunidade coletiva de passos decisivos alimenta a memória da história do cangaço de maneira vibrante.